As mãos de Lívia Chapman tremiam enquanto ela enchia a chaleira com água. Derramou um pouco no piso da cozinha, gotas respingando em suas canelas, acendeu uma das bocas do fogão e colocou o chá para ferver. Então se apoiou na mesa de jantar e esfregou o rosto para espantar o sono. Ela estava cochilando no sofá da sala, esperando seu marido chegar, quando interfonaram avisando que havia uma jovem na recepção querendo falar com Benny. Assim que a identificaram como Sophia, Lívia sentiu o coração primeiro mergulhar em seu estômago e, em seguida, escalar o caminho todo até sua garganta. Pediu para o porteiro repetir o nome, depois autorizou que a garota subisse. Não precisou esperar na porta. Sophia sabia o caminho.
A chaleira soltou um apito, seguido de um jato de fumaça branca. Ao mesmo tempo, Lívia escutou o chuveiro abrindo no final do corredor e a água caindo no chão. Desligou o fogo e colocou o chá em duas xícaras antes de ir para seu quarto, acendendo todas as luzes pelo caminho. Não gostava de andar no escuro, nem mesmo em um lugar conhecido como seu apartamento. Pegou no armário duas tolhas, uma blusa, uma calça de moletom e uma muda de roupas de baixo limpas.
Foi até o banheiro, apagando todas as luzes que tinha acendido, e bateu à porta, estranhando um pouco ter que pedir licença dentro de sua própria casa.
- Está aberta – disse a jovem lá dentro. A voz dela continuava exatamente igual.
Lívia entrou em uma nuvem de vapor quente que embaçava os espelhos do banheiro. Sophia fechou o chuveiro, deslizou a porta do box e ficou ali, tremendo e pingando. Meu Deus, ela estava ainda mais magra do que Lívia se lembrava, os olhos maiores do que nunca em seu rosto. Dois grandes planetas verdes que orbitavam abaixo de suas sobrancelhas. As tatuagens continuavam lá, é claro, embora ela não parecesse ter adicionado nenhuma nova à sua coleção. O detalhe mais diferente era o cabelo. Lívia recordava-se dele curto: agora, ele caía quase até depois da cintura da garota.
- Trouxe toalhas. E algumas roupas limpas – disse Lívia.
- Obrigada, Livy – "Livy". Apenas Sophia e Benny a chamavam assim.
Sophia estendeu os braços para pegar as tolhas e as roupas, e, quando o fez, Lívia notou outra coisa diferente na garota. Uma enorme cicatriz descia por suas costas – três cortes grotescos e irregulares, de uma cor tom de cutícula, indo da omoplata direita até o fim da espinha.
- Longa história – disse Sophia, e Lívia não soube dizer se a garota reparara para onde ela olhava ou se apenas lera os seus pensamentos.
- Aposto que você vai ter tempo para contar – disse Lívia. Hesitou um instante, e então: – Você vai ficar, não vai? Benny sentiu sua falta. E eu também.
Sophia segurou a mão dela e deu um aperto de leve.
- Talvez eu fique – disse Sophia. – Por um tempo.
Lívia assentiu e saiu do banheiro, fechando a porta devagar atrás de si, deixando Sophia à vontade para se vestir. Quando voltou à cozinha, ela checou o celular e viu que 15 minutos haviam se passado desde que ela ligara para Benny. Ele devia chegar a qualquer momento. Mandou uma mensagem para ele, dizendo que estavam à sua espera, e colocou-se a preparar alguns sanduíches, mais para ter algo para fazer do que por fome. Estava agitada, e precisava manter as mãos em movimento. Como dizia seu pai: "mãos ocupadas, mente ocupada".
Colocou tudo em uma bandeja, sanduíches e chás, e foi para a sala. Encontrou Sophia parada em frente à estante. As roupas que ela emprestara à garota ficaram grandes demais no corpo infantil dela, mesmo Lívia não sendo uma mulher alta.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...