Eles vieram com suas viaturas barulhentas, as sirenes gritando como gralhas assustadas. Sophia ergueu o rosto para o teto cheio de lençóis do porão ao ouvir o som.
- Seus amigos – disse Pietra. Ela tentara se levantar, e não tinha dado muito certo: agora ela estava caída com a parte de cima do corpo na mesa e as pernas inertes esparramadas pelo chão, como se tentasse realizar um número bizarro de contorcionismo. – Eles se atrasaram.
- Quase sempre se atrasam – disse Sophia. – Espero que tenham trazido algo para arrebentar essas algemas.
- Espero que tenham trazido ambulâncias.
- É, isso também.
Não que uma ambulância fosse ser de muita ajuda para Benny. Ele continuava no colo de Sophia, a garota embalando-o devagar, balançando-o para frente e para trás como ele próprio fizera com ela em tantas noites insones.
- O que vai acontecer agora, Sophia?
Sophia suspirou.
- Vão levar você para um hospital – disse. – E depois vão fazer um monte de perguntas.
- E quanto a ele? Quer dizer... ele fugiu. E se...
- Ele vier atrás de você outra vez? – Sophia já tinha considerado aquela possibilidade. Não: aquela verdade. O assassino – a coisa – não iria desistir. – Não se preocupe com isso, Pietra. Você terá proteção dia e noite até que eu pegue esse cara.
- Você vai pegá-lo? Mesmo?
- Farei o possível.
Pietra franziu a testa, e a mente de Sophia, que recuperava aos poucos a boa e velha forma de sempre conforme a droga deixava seu organismo, capturou um pensamento estranho vindo de Pietra. Era algo um pouquinho triste e difícil de definir, porque a própria Pietra sentia-se confusa quanto àquilo. Ainda assim, era bonito. Muito bonito.
Perdão.
- Eu passei esses anos todos odiando você – disse Pietra. – Achei que você tivesse me abandonado. E você por aí, salvando vidas. Devo ser a pessoa mais egoísta do mundo.
A garganta de Sophia fechou-se. Ela não estava preparada para ter aquela conversa, não agora. Não com Chapman morto em seus braços e com o sangue dele secando em sua jaqueta e calças. Ela tornou a erguer o rosto para o teto do porão, escutando as viaturas. Pareciam ter estacionado.
- Sophia?
- Falamos sobre isso depois, Pietra – disse Sophia. – Agora vão levar a gente.
O primeiro policial a descer no porão foi o chefe Cohen. Veio devagar, um homenzarrão com o rosto assustado como o de uma criança com medo do escuro, os grandes ombros curvados e uma arma nas mãos. Ele parou na metade da escada e olhou em volta, de Pietra para Sophia e, por fim, para Chapman no colo da garota.
Sophia esperou que ele dissesse alguma coisa, mas quando ele permaneceu em um silêncio estarrecido, ela apontou com a cabeça para Pietra.
- Ela precisa de uma ambulância.
Cohen olhou Sophia, boquiaberto. Dava para ver o suor escorrer brilhante por sua testa. À luz vermelha do porão, o chefe de polícia parecia suar sangue, como se fosse Cristo com a coroa de espinhos.
- Uma ambulância – repetiu Sophia.
- Nós... temos ambulâncias lá em cima – ele disse. – Onde ele está?
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...