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Parou seu Ford negro de placa falsa em frente ao Cathedral Street, 900, e pulou para a claridade da manhã. Fazia tanto calor que dava para ver o ar tremeluzir logo acima do asfalto em ondas quentes. Seu rosto suava na máscara negra. Ele ergueu os olhos e observou por um instante o prédio onde Jéssica Shepard morava: uma construção quadrada de cerca de dez andares, com janelas escuras que capturavam os raios fortes do sol e os refletia em halos de luz colorida.

Então, avançou, a calibre .45 firme na mão direita. Dessa vez, não usaria silenciador. Obras de arte pedem silêncio; a violência pede barulho.

A porta giratória da entrada travou e o detector de metal soou o alarme quando ele tentou passar com a arma. Ele recuou o braço esquerdo: a luz do dia fulgurou nas argolas de metal do soco inglês em seus dedos, e então ele desceu o punho com força no vidro da porta, estilhaçando-o de cima a baixo com um só golpe. Os cacos choveram no piso cinzento e no tapete escuro da recepção. Pessoas gritaram. Havia um segurança do outro lado, um grandalhão que olhou abobalhado para ele e demorou um ou dois segundos para entender o que acontecia e levar a mão à pistola no cinto.

Mas ele foi mais rápido. Sempre era. Disparou contra o segurança antes que o homem pudesse sacar a arma, transformando a mão dele em uma massa sanguinolenta de ossos partidos e carne moída. O mindinho do homem ficou preso por uma nesga de pele, balançando como o pêndulo de um relógio; seus outros dedos foram arrancados, giraram no ar e depois caíram enfileirados no tapete. Todos os dedos, todos os dedos. Onde estão? Aqui estão. O segurança olhou para a mão mutilada, os cotocos esguichando sangue, e começou a gritar. Depois parou de produzir qualquer som, porque a bala seguinte atingiu-o na boca: seu queixo desapareceu em uma nuvem vermelha cheia de pedaços de dentes e ele desabou no colo de uma velhinha que sentava em um banco estofado ali perto.

A velha gritou, e então todo mundo estava aos berros, correndo para fora do prédio. Ele deixou-os ir embora, avançando com passos pesados rumo à escada. Pisou em cima dos dedos do segurança, e eles estalaram debaixo de sua bota com o barulho de madeira se partindo em uma fogueira. Dos fundos da recepção, outro segurança vinha em sua direção: uma mulher com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo e que, ao contrário do colega morto, avançava com a arma já fora do coldre, empunhando-a com as duas mãos.

- Não se mexa! – ela apontou a arma para ele, como se estivessem na porra de um filme. – Paradinho aí.

Mas aquilo ali era a vida real, e ele atirou pela terceira vez com a sua .45. A bala varou o pescoço da segurança e ela rodopiou sobre o pé direito como uma bailarina, sangue arterial jorrando em arco quase até o teto. A mulher disparou sem querer a arma, e o tiro se perdeu em algum lugar lá no alto.

A segurança caiu de costas no tapete. Ela pressionava o pescoço ferido com ambas as mãos, e ainda assim o sangue escorria em riachos por entre seus dedos. Um som profundo e molhado de gorgolejar vinha da garganta dela, espuma vermelha se acumulava nos cantos dos seus lábios. Ele parou ao lado da mulher, olhando-a se contorcer e tentar respirar.

Apontou a calibre .45 para ela, e a mulher o encarou de volta com as pupilas dilatadas de dor. Ele podia ver o medo dançando no fundo daqueles olhos.

- Hora de acordar – e apertou o gatilho.

Abriu na têmpora da segurança um buraco gêmeo àquele feito na de Marie-Annie Straub.

Um cheiro forte e metálico impregnava o ar. Sangue e pólvora. Agora ele estava sozinho na recepção, tendo como companhia apenas os corpos dos seguranças. Escutava as pessoas gritando lá fora na rua, e era uma questão de tempo até começar a ouvir também o som de sirenes. Imaginou que a polícia logo estaria ali. Mas tudo bem, ele era rápido. Ergueu uma de suas enormes pernas e pulou a mulher morta aos seus pés, notando as gotas vermelhas que cobriam suas botas negras, e avançou rumo à escada. Queria evitar o máximo possível as câmeras, incluindo aquelas nos elevadores. Além do mais, Jéssica Shepard morava no primeiro andar. Apartamento 19. Sarah Walsh tinha sido bastante prestativa ao telefone.

Ele não corria, mas subia dois degraus de cada vez. Abriu a pesada porta contra incêndio no final da escada e saiu para um corredor tão baixo que sua cabeça quase tocava o teto. Parou sob as lâmpadas amarelas, sua sombra projetada nas paredes e nas portas dos quartos, e verificou a munição da .45. Gastara mais balas do que gostaria, mas supunha que não seria necessário mais do que um tiro para dar conta de Jéssica Shepard.

O apartamento dela ficava no fim do corredor, e ele avançou a passos largos. Uma mãe e seu filho estavam parados no meio do caminho, congelados e encolhidos contra uma porta que mostrava o número 11. A mulher abraçava a cabeça do menino de encontro ao peito e olhava a .45 na mão dele. Quando ele se aproximou, ela colocou-se ereta e empurrou a criança – que devia ter a idade de Danny Straub – para trás de si, protegendo-a com o corpo.

- Por favor...

- Saiam daqui – ele disse.

Passou pelos dois sem olhá-los uma segunda vez, e escutou a mãe e seu filho se afastarem correndo.

Mate-os também.

- Não.

Parou diante do apartamento de Jéssica Shepard e inclinou a cabeça para o lado, tentando escutar algum barulho vindo de lá de dentro. Não ouviu nada. Tirou o soco inglês de seus dedos esquerdos, guardou-o no bolso e bateu na porta.

A resposta veio quase na mesma hora:

- Já vai! – Foi o suficiente. Ele só queria saber se a cabelinho azul se encontrava mesmo em casa. Então tomou distância e depois projetou a sola da bota direita contra a porta.

Seus músculos, treinados à exaustão toda manhã e ano após ano, tinham sido feitos para aquilo. Seu corpo era uma máquina implacável projetada para aniquilar e destruir, e a porta não apenas cedeu diante de seu pé, como também foi arrancada das dobradiças e arremessada para o meio da sala de Jéssica Shepard. Aterrissou em cima de uma mesinha de centro feita de vidro, estilhaçando-a. Porta-retratos e enfeites caíram no chão e rolaram pelo tapete. Ele entrou no apartamento no mesmo instante em que Jéssica gritava.

Virou a cabeça na direção do som. A garota estava no banheiro.

Agora. Vá pegá-la.

Ele foi.


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