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O homem com a máscara negra aperta o gatilho. A bala entra pela testa de Sophia e a nuca da garota explode com um barulho que lembra um balão estourando – plóf! Seu cérebro pinta de vermelho a parede atrás dela, e uma chuva de miolos e lascas de crânio cai nos azulejos brancos do banheiro. Sophia permanece sentada por um tempo, depois desaba para frente, em cima da perna direita destroçada. Seu corpo estremece, os dedos de sua mão esquerda abrem e fecham, abrem e fecham, e então ela fica imóvel.

***

Quando abre os olhos, está caída de cara no chão do box do banheiro. O chuveiro continua ligado, as gotas tamborilando na pele de suas costas, e ela respira fundo. Seus pulmões se enchem da água acumulada nos azulejos e Sophia engasga. Fica de joelhos, tossindo, depois vomita nas próprias mãos. Sua cabeça dói, dói pra cacete, mas está inteira. Pelo menos, parece inteira. Ela leva as mãos aos cabelos molhados e solta um suspiro de alívio ao ver que seu crânio continua ali, e não espalhado por todos os cantos como as peças de um quebra-cabeça.

Levanta-se trêmula, sentindo-se doente e tomada por uma febre alta. Ainda tossindo, ela fecha o registro do chuveiro e sai para o banheiro repleto de vapor. Por um instante, sua visão se turva e depois se divide em duas, e ela vê tudo sobreposto e dobrado. Apoia-se no box para não cair outra vez e fica ali, esperando o mundo voltar aos eixos e perguntando-se que merda tinha acabado de acontecer.

Isso se chama clarividência, boneca. Pelo visto, você tem várias surpresas guardadas na manga.

Se sua velha amiga estivesse certa – como quase sempre acontecia – então Sophia tinha acabado de dar uma espiada no futuro. Erguera a cortina do tempo-espaço como uma bela de uma enxerida e vira algo que ainda não havia acontecido. Mais do que isso: Sophia não apenas tivera uma previsão, como também participara dela. Sentira tudo na pele, uma pele que não era sua, mas de uma jovem chamada Jéssica Shepard.

Sophia capengou até a pia e passou a mão no espelho para desembaçar o vidro. O reflexo que a encarou de volta era o seu. Garotinha dos olhos verdes e do cabelo pretinho. Só que seu cabelo não estava pretinho há poucos minutos, e sim pintado de azul. Jéssica Shepard, também chamada de J. entre os amigos e colegas de trabalho, adorava aquela cor. Ela tentara se matar – cortara os pulsos – e até hoje tomava antidepressivos, embora não contasse isso para ninguém. Nem mesmo para o irmão, seu único parente vivo e que morava em Connecticut. Ela passara uma temporada com ele antes de se mudar para seu próprio apartamento em New Shore. Endereço: Greenglass Square, Cathedral Street, 900.

Tudo isso Sophia viu durante o tempo em que esteve na pele de Jéssica Shepard.

Durante o tempo em que esteve sendo morta pelo assassino de Danny Straub e Ashley Morgan.

Sem pensar, sem sequer se dar ao trabalho de se enxugar ou colocar uma roupa, Sophia disparou para fora do banheiro, correndo tão rápido que seus pés molhados escorregaram no piso do quarto e ela estatelou-se de bunda no chão. Levantou-se xingando. Uma parte dela a censurava por não ter um celular; a outra lhe dizia que o hotel com certeza tinha um telefone para ela usar.

Irrompeu para o corredor e só parou de correr quando chegou à recepção, deserta exceto pelo recepcionista. A velhinha de óculos quadrados e que parecia ter uma ovelha no lugar dos cabelos tinha sido substituída por um rapaz alto e magrela, com a aparência do John Lennon durante um ataque de acne. Ele não devia ter nem mesmo 15 anos, e ficou olhando boquiaberto para Sophia, o rosto tomado por espinhas e por uma expressão de espanto. Realmente, devia ser uma visão e tanto: uma garota magrela parada pelada na entrada do seu hotel, pingando água no chão. Mas ei, o que seria da vida sem uma boa história para contar?

- Você tem um telefone? – disse Sophia.

O John Lennon/recepcionista não respondeu. Continuou apenas olhando para ela, o queixo caído quase até o peito e os óculos tortos no rosto.

- Meu Deus, você nunca viu uma boceta? – pela cara do moleque, não. Sophia devia ser a primeira mulher nua que ele via ao vivo e em cores.

Ela adiantou-se e contornou o balcão da recepção. Havia um telefone ao lado do notebook: um aparelho antigo e pesado, com discagem de rolagem.

- Dá licença – disse Sophia para o recepcionista e tirou o telefone do gancho. Discou de cabeça o número do celular de Chapman.

Tuuum, Tuuum, Tuuum.

Atende, atende. Ela não conseguia tirar os olhos do relógio na parede da recepção, perguntando-se quanto tempo ainda tinham. Toda vez que o ponteiro dos segundos fazia tic! algo em seu peito fazia tac!, esmurrando seu coração.

- Alô? – Chapman atendeu.

- Eu sei quem é a próxima vítima dele.

- Sophia? – ele quase gritou. Então pareceu se lembrar que estava em uma delegacia conversando com uma fugitiva, e baixou o tom de voz. – Como é que é? Do que você está falando?

- Eu tive uma visão – não era bem isso, não uma visão, mas Sophia estava com pouco tempo para tentar explicar algo que nem ela própria compreendia direito.

- Desde quando você...

- Me deixe falar, Chapman. Estamos sem tempo. Olha só, ele vai matar uma jovem chamada Jéssica Shepard. Deve estar a caminho de onde ela mora agora mesmo. Eu tenho o endereço dela: Cathedral Street, 900. Fica perto da Greenglass Square. Não consegui pegar o número do apartamento.

- Tem certeza disso?

Estou pelada no meio da recepção de um hotel, Chapman. Porra, é claro que tenho certeza.

- Tenho.

- Você fica aí – disse Chapman. – Nós cuidamos disso.

- Mas...

Tu-tu-tu. Chapman desligou. Sophia afastou o telefone da orelha e olhou incrédula para o aparelho.

- Filho da puta.

- Você tá pelada – disse o menino recepcionista, como se só notasse esse detalhe agora.

Sophia olhou para ele, depois para o telefone em sua mão e de volta para o menino.

- Ele desligou na minha cara.

A Voz da Escuridão.Onde histórias criam vida. Descubra agora