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As horas que se seguiram foram como um sonho do qual Chapman lembraria pouca coisa depois. Tudo aconteceu rápido demais, e ele se sentiu como uma folha seca e cansada sendo levada por um furacão. Havia aquela luz branca, fervente e forte dos holofotes no céu; o bater das hélices que lembrava tanto os tambores rufando – brumbrumbrumbrum – agitando as copas das árvores; cordas sendo lançadas por toda a volta e agentes do FBI descendo por elas; gritos, sons de tiros, mais berros. E o tempo todo Chapman ajoelhado em meio à cidade esquecida na floresta, com Sophia desacordada e se esvaindo em seus braços, empastado com o sangue quente dela, repetindo sem parar para ela e para si mesmo que ela ficaria bem, ficaria ótima, pronta para outra, ele só tinha que continuar pressionando o ferimento para estancar a hemorragia e, ah, meu Deus, havia tanto sangue e Sophia era tão pequena. E então dois homens vestidos com coletes e portando fuzis agarraram Abukcheech, de quem Chapman se esquecera completamente e que continuava caído bem ali à sua frente, e depois alguém – talvez Harvey – dizendo para Chapman soltar Sophia, mas ele não queria soltar, porra, queria ficar com ela, porque eles estariam bem enquanto estivessem juntos. Até que uma voz disse que Sophia seria levada para um hospital, e ela com certeza precisava de um, por isso Chapman deixou-a ir, deitada em uma maca que ele não fazia ideia de como tinha ido parar ali. Em seguida, mãos segurando-o pelos ombros levantando-o do chão, pessoas perguntando se ele estava bem e mandando-o subir. Mas subir onde, cacete, e ah, ali, uma escada atirada das nuvens e Chapman escalou-a, balançando para lá e para cá por causa do vento das hélices mais acima e, quando chegou ao helicóptero, outras mãos o agarraram e o puxaram para dentro. Ele caiu em um chão de metal frio e, de repente, estava lá no alto, voando entre as estrelas e deixando a escuridão para trás, abaixo de si.

***

- Sente-se – disse Harvey. Chapman não notara que o diretor estava com ele no helicóptero até aquele momento.

- Não precisa, estou bem.

- Sente-se, homem – Harvey empurrou-o em um dos assentos de couro do helicóptero e chegou até mesmo a fechar o cinto em torno dele. – Você está tudo, menos bem. Recupere o fôlego. Respire, pelo amor de Deus.

Respirar. Isso era uma boa ideia. Só agora Chapman percebeu que prendia o ar e soltou-o devagar. Depois fechou os olhos e inspirou fundo. O vento da noite entrava no helicóptero e fazia o suor gelar em sua pele. Sua cabeça ainda girava e não dava sinais de que fosse parar de rodopiar tão cedo. Chapman esfregou a boca seca e então afastou as mãos com um careta: elas estavam cobertas do sangue de Sophia e deixaram um gosto metálico de cobre nos lábios dele. Ele pensou em cuspir, mas acabou engolindo. Olhou as estrelas brilhando lá fora e as luzinhas distantes de Fallpound que se afastavam cada vez mais.

- Para onde estamos indo? – perguntou.

O diretor Harvey, também de colete à prova de balas e trazendo na cintura uma pistola que ele sequer chegara a sacar, sentou-se de frente para Chapman e segurou-se no ferro do assento para se equilibrar.

- Para Boston – ele gritou para ser ouvido acima do barulho das hélices. – Estamos levando Abukcheech para lá também. Parabéns, agente Chapman. Você pegou o filho da puta. Pegou todos eles.

Harvey inclinou-se à frente, pronto para estender a mão e apertar a de Chapman, então viu as luvas de sangue que ele usava e parou.

- Você está ferido?

Grogue, Chapman baixou os olhos para o corpo. Além das mãos, sua camisa e calças também tinham adotado a cor vermelha. A última palavra da moda em Fallpound.

- O sangue não é meu – disse Chapman. – É de Sophia. Para onde a levaram?

- Para um hospital, ora essa. Para onde mais? – respondeu o diretor. – Ela vai ficar bem, não se preocupe.

A Voz da Escuridão.Onde histórias criam vida. Descubra agora