O mapa que Ashley Morgan projetou na mente de Sophia Manning guiou-os até uma casa amarela que ficava no fim da estrada de terra, de frente para um milharal que se estendia até onde a vista alcançava. Tinha dois andares, uma cerca com a pintura branca descascando e até uma caixinha vermelha de correspondência. Seu número era 119, o que soava estranho, já que ela não ficava em uma rua e tampouco em uma cidade. Era simpática. Podia muito bem ser a casa do seu vizinho, do velhinho de cabelo grisalho que mora no final do bairro e que sempre se senta à varanda de roupão para ler o jornal matinal enquanto toma uma xícara de café, do sujeito por quem você passa nas manhãs de domingo quando sai para ir à padaria, aquele cara que está lavando o carro e acena sorridente para você enquanto diz "belo dia, não é mesmo?" Talvez por isso fosse tão assustadora: porque parecia mundana. Escondia seus segredos. Ao olhá-la, Chapman pensou em pacientes com câncer que ainda não foram diagnosticados: tudo está bem e normal por fora, até a porta se abrir e relevar o tumor negro e faminto que cresce por dentro.
Mas aí já é tarde demais.
Sophia agachou-se ao lado dele atrás das árvores. A casa estava a uns vinte metros de onde eles se escondiam, parecendo deserta sob o céu chuvoso. Chapman não conseguia tirar os olhos dela, como se hipnotizado por sua pintura amarela e alegre.
- Como vamos fazer isso? – sussurrou Sophia.
Excelente pergunta. Chapman virou o rosto para a garota. Sophia o encarava com aqueles grandes olhos de gato, de quatro como um, com os joelhos e as palmas das mãos plantadas no chão.
- Eu não queria isso para você – disse Chapman.
Ela apenas continuou a olhá-lo. Uma mecha de seu cabelo escuro soltara-se do rabo de cavalo e pendia como uma cordinha por entre suas sobrancelhas.
- Não queria nada disso.
- Do que você está falando?
- Esta vida – ele voltou a olhar para a casa. As janelas da frente pareciam olhos negros. A porta, uma boca. – Essa arma na sua mão. Aquelas crianças mortas e o monstro que espera por nós dentro daquela casa. Eu não queria nada disso para você. Nunca quis.
- Benny...
- Quando você era criança, eu costumava sonhar em fugir com você e Livy. Sabia disso? Ficava acordado, pensando em enfiar vocês duas no carro e ir para o Alasca. Caramba, eu iria para lua com vocês, se preciso. Uma noite, cheguei a levantar da cama e comecei a fazer nossas malas. Você dormia em seu quartinho, e devia ter o quê? Onze, doze anos. Você tinha ido deitar chorando por causa das agulhas. E eu pensei comigo: bom, chega. Chega dessa merda. Ela é só uma criança e precisa viver como uma criança. Mas eu não consegui deixar esse trabalho para trás... Desculpe.
Sophia baixou o rosto. Fungou. Agachado atrás de uma árvore a menos de dois metros dela e de Chapman, Grimmes segurava a Glock e olhava ansioso deles para a casa.
- Fiquei feliz quando você fugiu – continuou Chapman. – E orgulhoso, também, porque você teve forças para fazer aquilo que eu não consegui: largar o trabalho e viver uma vida que valesse a pena. Longe de mim e de Livy, mas e daí? O importante era você estar feliz. Sem armas na mão. Sem agulhas furando sua pele. Sem psicopatas tentando te matar em uma floresta. Eu pensava em você todos os dias ao acordar e todas as noites antes de dormir, e desejava que você tivesse encontrado um lugar onde descansar. Um cantinho de paz.
Um trovão rimbombou no céu. Pelo visto, a chuva que caíra de manhã bem cedo voltava com mais força. A casa, no entanto, continuava silenciosa. À espera. Se você prestar atenção, consegue escutá-la respirar: os alicerces estalando, o vento uivando contra as calhas, os vidros das janelas tremendo nos batentes.

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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...