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O enterro de Bernard Chapman aconteceu na sexta-feira, dois dias depois da garota que ele amava como uma filha sair vitoriosa do confronto contra o homem que o matou. Às 10 horas da manhã, um caixão coberto por uma bandeira estrelada e riscada de estrias brancas e vermelhas entrou pelos portões do cemitério Granary, em Boston, carregado por seis agentes fardados do FBI e presidido por homens que tocavam uma marcha fúnebre em gaitas de fole. Estavam presentes também outros 30 agentes e a pequena família de Chapman: sua mãe, seu irmão e suas sobrinhas. E sua mulher, é claro.

Lívia seguiu em silêncio atrás da procissão que adentrou o cemitério, de braços dados com Grimmes. O pobre rapaz tinha o rosto coberto de suor e usava uma muleta para se movimentar, mal conseguindo colocar o pé esquerdo no chão. Rigorosamente falando, ele devia ter continuado no hospital. Mas, quando soube que Lívia voltaria para Boston com o corpo de Benny, Grimmes disse que explodiria o lugar inteiro caso o médico não o liberasse. Funcionou, não devido àquela ameaça estúpida, mas sim porque Grimmes insistiu e insistiu até conseguir o que queria. Ele perseverou, como Chapman o ensinara a perseverar.

Houve tudo o que se podia esperar do enterro de um diretor do FBI. Houve o caixão sendo respeitosamente baixado para um buraco aberto no gramado verde, houve uma agente ruiva dobrando a bandeira dos Estados Unidos em um quadrado e levando-a até Lívia, que a pegou e a colocou no colo sem sequer olhá-la uma segunda vez. Houve mais música tocada pelos homens com as gaitas de fole, houve fuzis apontados para o céu claro da manhã e disparando enquanto o caixão desaparecia na terra. Houve choro por parte da mãe e do irmão de Chapman, embora nenhuma lágrima tenha riscado o rosto de Lívia. Ela sentia-se estranhamente tranquila, sentada ao lado de Grimmes com aquele pedaço de pano idiota cheio de listras vermelhas e brancas repousando nas coxas e pensando consigo mesma que seu marido teria odiado aquilo tudo. Quando o padre perguntou se ela não queria dizer algumas palavras, Lívia simplesmente apertou a boca em uma fina linha, como se trancasse os lábios, e balançou a cabeça. Não existia nada que ela pudesse dizer naquele momento que já não tivesse dito a Chapman durante os mais de 30 anos que passou casada com ele.

Houve tudo isso. Tudo o que se podia esperar. Mas, Lívia sabia, Chapman teria aberto mão de toda aquela pomposidade inútil – das gaitas de fole, da música, do caixão caro, dos fuzis atirando contra o céu, das lágrimas, das palavras que agora ele já não podia escutar e da merda daquela bandeira dobrada no colo dela – para ter ali a única coisa que faltava.

***

A garota chegou à cidade apenas no domingo de manhã.

Seu voo pousou no Aeroporto Internacional de Boston. Sophia desceu do avião com sua velha mochila pendurada nos ombros e avistou Grimmes em meio à multidão sorridente que esperava no desembarque por amigos e familiares. Foi fácil achá-lo – ele erguia bem alto na mão direita uma placa branca onde se lia em letras garrafais vermelhas: SOPHIA.

Quando ela se aproximou, o rosto bonito de Grimmes abriu-se em um sorriso que qualquer garota mataria para receber. Mas Sophia tinha sorte, e aquele sorriso era todinho dela. Jogou-se em cima de Grimmes e abraçou-o com força enquanto ele a apertava com mais entusiasmo ainda. Só depois de passar quase um minuto colada nele foi que Sophia lembrou-se de que Grimmes estava ferido.

- Oh, meu Deus, desculpe – ela se afastou um pouco. – Me esqueci da sua perna.

- Essa coisa idiota? – Grimmes deu uma batidinha na perna e balançou a muleta para Sophia. – Não se preocupe. O médico falou que, se eu quiser, posso até correr uma maratona.

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