15 (I)

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Evangeline Walker tinha quatro anos, prestes a completar cinco, quando Sophia ensinou-a a nadar.

Era uma manhã de domingo, um daqueles dias em que você consegue ouvir o universo cantar. Dava para cheirar a calmaria no ar, um aroma de pinho, páginas de livro, pães quentes com manteiga e café fumegando em uma xícara. O sol entrava pela janela da cozinha da casa dos Walker e caía sobre a mesa, tocando com a ponta de seus dedos luminosos a jarra vazia de suco e as torradas que sobraram do café-da-manhã. Quando Sophia, Lizzy e a pequena Eva – as garotas de Josh Walker, como tinham ficado conhecidas em Oldwheel – saíram para o lago da propriedade, elas viram uma corça branca observando-as de entre as árvores com os olhos negros e brilhantes, as pequenas orelhas balançando em leve curiosidade. O animal fez Sophia pensar em donzelas virgens e vestidos de noiva. Acima de sua cabeça reinava um céu azul maculado por algumas poucas esteiras de nuvens.

Lizzy, resfriada e com o nariz vermelho como o de um palhaço de circo, puxou uma cadeira de balanço e sentou-se na varanda atrás da casa. Usava um vestido rosa de verão, a cabeleira cor de palha presa em um rabo de cavalo e tinha no colo seu violão. Ensaiou algumas notas, testando as cordas, enquanto Sophia corria para o lago com a pequena Eva em seus calcanhares.

- Eva! – disse Lizzy. Seu grito fez com que a corça se assustasse e o animal mergulhou nos pinheiros, aos saltos, como se tivesse molas nos cascos. – Cuidado para não cair na água!

Eva limitou-se a olhar a mãe por cima do ombro e continuou correndo. Quando alcançou Sophia, de pé à beira do lago e admirando as águas azuis que refletiam o céu limpo, agarrou a mão dela.

- Dá pra nadar? – Eva perguntou.

- Não sei – na maior parte dos dias o lago ficava tão frio que era impossível nadar nele. Sophia tentara uma vez e saíra da água com os dentes batendo, os músculos queimando e sentindo como se tivesse passado dez anos congelada em um bloco de gelo. – Vamos ver.

Ajoelhou-se e tocou a água do lago. Sorriu.

- Acho que dá para nadar, sim.

- Mesmo? – os enormes olhos de Eva brilharam com a expectativa. Eles eram parecidos com os de Sophia, como se as garotas compartilhassem de fato o mesmo DNA.

- Mesmo. Mas me deixe entrar primeiro, tá bem?

A pequena Eva ficou de lado enquanto Sophia se despia. Ela dobrou as roupas no chão, tomou um pouco de impulso e correu, mergulhando de cabeça, os braços estendidos à frente e os dedos formando a ponta de uma lança. O espelho de água estilhaçou-se e o lago abriu-se para ela.

Estava quente. A água envolveu Sophia com a cadência de um amante, e a garota bateu as pernas até conseguir tocar o fundo cheio de pedrinhas escuras. Peixes manchados de laranja nadavam ao seu redor, afastando-se dela como se assustados com aquela estranha intrusa em seu reino submarino. Sophia virou-se e olhou para cima: do ponto de vista de um mergulhador, a superfície do lago lembrava uma membrana translúcida que ondulava em pequenas explosões brancas nos pontos em que refletia a luz do sol. Sophia conseguia ver a silhueta difusa da pequena Eva sentada na beirada, seus pezinhos agitando a água em rápidas carreiras de bolhas.

Sophia tomou impulso e subiu novamente, submergindo com uma inspiração profunda. Passou as mãos no rosto para tirar da frente o enorme cabelo negro e virou-se rindo para Eva.

- A água está ótima – disse.

Eva ficou de pé com um pulo e disparou ao redor do lago, na direção da margem onde Sophia boiava. A garotinha era toda risos, olhos e cabelo. Um lindo projeto em andamento. Enquanto a observava correr, Sophia teve um rápido vislumbre da mulher que a pequena Eva se tornaria quando não fosse mais pequena. Essa aí ainda vai partir o coração de muita gente, pensou, nadando até a criança. Eva ficou de cócoras quando Sophia se aproximou.

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