- Pietra, você tem que ficar parada. Como é que eu vou conseguir desenhar você se você fica se mexendo como se formigas mordessem sua bunda?
- Mas eu estou parada.
- Não está, não. Está se contorcendo toda.
- Okay, desculpe... Sophia?
- Que é?
- Me desenhe como uma de suas garotas francesas.
- Como quiser, Kate Winslet. Agora fique parada, ou eu vou ter que deixar você
***
presa. Não mais por cordas, mas sim por uma algema, uma das argolas frias envolvendo seu punho esquerdo e a outra fechada no que parecia ser um cano de calefação na parede do porão. Ela deu um puxão débil, escutou o metal tilintar, e abriu as pálpebras. A luz vermelha inflamou sua vista, e Sophia levantou a mão direita para proteger os olhos daquela infecção escarlate. Só que não havia mais uma mão. Havia apenas um toco enrolado em ataduras brancas, com uma mancha escura marcando o local onde o membro fora decepado. Não doía, mas um cheiro de carne queimada desprendia-se dele, um aroma de churrasco em uma tarde de sábado. Sophia começou a chorar.
***
- Acabou?
- Falta só um pouco agora.
- Estou com câimbras. Posso me mexer?
- Pode. Prontinho.
- Sério? Deixa eu ver como ficou.
- Não ficou láááá essas coisas. Você não parava quieta, por isso não consegui pegar alguns detalhes.
- Ah, então a culpa da pintura estar ruim agora é da modelo e não de quem segura o pincel?
- Você quer vê-la ou não?
- Quero, dá aqui... Ah, Sophia, meu Deus.
- Eu sei, não está muito boa. Eu não...
- Não, não. Está... está linda.
- Mesmo? Gostou de verdade?
- Está maravilhosa. Maravilhosa como você, So
***
phia? Sophia?
- Cale a boca. Agora não.
Mas não era sua velha amiga quem a chamava. Era outra pessoa. Ali com ela no porão. Sophia tornou a abrir os olhos, fazendo questão de manter o toco sangrento fora de vista e encarando as botas.
- Sophia? É você?
Sophia voltou o rosto na direção da voz e viu Pietra deitada na mesa do porão. Ela estava imóvel como uma estátua de mármore. Exceto pela cabeça, virada de lado para que ela pudesse olhar Sophia. Elas se encararam naquele lugar escuro, quente e que cheirava à morte, e Pietra sorriu.
- É mesmo você? Ou eu estou alucinando de novo?
Sophia encostou a nuca na parede atrás de si e também sorriu, mesmo às lágrimas. Apesar das lágrimas. Naquele momento tudo sumiu de sua mente: Chapman, Grimmes, o assassino com elas na casa, a mão decepada, o fato de que, provavelmente, nunca mais iria desenhar na vida. Lembrou-se da vez que dera o Akai Ito para Pietra, do modo como a realidade parou e perdeu a graça quando ela entrou no restaurante japonês com uma tiara nos cabelos cacheados. Todos esses anos depois, e Pietra ainda tinha aquele efeito sobre ela. Ainda silenciava o seu mundo.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...