Das 13h às 18h, Pietra trabalhava servindo cafés e anotando pedidos em uma lanchonete de New Shore chamada Coffe and Roll. Quando terminava seu turno, ia a pé para um pub dois quarteirões acima, o Henry's Music Place. Ali, ela anotava mais pedidos e levava às mesas canecões de cerveja ao em vez de xícaras de café. A vantagem era que, no Henry's, ela de vez em quando podia colocar em prática seus talentos musicais, tocando violão ou guitarra e cantando no pequeno palco que ficava nos fundos do lugar, para uma plateia quase sempre lotada.
Naquela noite, no entanto, havia apenas um homem bebendo no balcão do Henry's, um cara de botas de cowboy e cabelo negro segurado de pé por uma argamassa de gel, o que lhe dava a aparência de um Elvis Presley caipira. Chamava-se Tony, um dos clientes mais fiéis do pub. Tirando essa única alma solitária e sedenta por álcool, o lugar se encontrava tão deserto quanto o convento. Ninguém podia dizer que estava entregue às moscas, porque Pietra, também responsável pela limpeza, mantinha o Music Place livre de moscas, limpo a ponto das mesas luzirem, mas era mais ou menos por aí.
- Ei, Pietra? – a garota estava sentada e batendo papo com Tony quando Henry a chamou. Ele era um homem alto e bem afeiçoado, pai de uma filha com a qual Joanna às vezes brincava. – Pode vir aqui um segundo?
Pietra foi, ignorando o olhar que Tony lançou para o decote do seu uniforme.
- O que é que manda, Henry?
- Mando você embora para casa – ele disse.
Um pensamento ocorreu à Pietra: fui despedida. A esse, seguiram-se outros, todos envolvendo coisas como não conseguir comprar o material escolar de Joanna ou o remédio para sua infecção de ouvido.
- Não teremos clientes aqui hoje, então vou fechar mais cedo – ele disse, apoiando os cotovelos no balcão, e Pietra suspirou aliviada.
- Tem certeza? – ela perguntou. – Clientes ainda podem chegar. Não são nem dez horas.
Henry balançou a cabeça.
- Não, ninguém vai vir. As pessoas estão assustadas demais com esses assassinatos para saírem à noite – ele disse. – E elas têm razão, se quer saber. Por isso vá para casa e fique com sua filha. Vou fazer o mesmo.
- Joanna está com a avó – Pietra disse, passando o avental azul do bar pela cabeça, dobrando-o e deixando-o em cima do balcão. Olhou para Tony, que bebia a sua zilionésima caneca de cerveja. – Quer que eu mande o Tony ir embora?
- Náh, deixe ele aí – disse Henry. – Ele é tão parte desse lugar quanto o chão e o teto. Estou pensando até em construir um quartinho para ele nos fundos.
Pietra riu e despediu-se de Henry. Dois minutos depois estava em sua Toyota Corolla, dirigindo para casa ao som de Elton John e cantarolando Rocket Man. Tirou o celular da bolsa e viu que havia uma mensagem de Joanna:
Vovó pegou a lagarta pra mim e guardou em um potinho J
Pietra sorriu e digitou:
E ela agora tem um nome?
Antes que ela pudesse colocar o celular de volta na bolsa, o aparelho vibrou:
O nome dela é Pietra.
Hahahaha, engraçadinha. Estou com saudades. Te amo.
Tbm estou com saudades <3
Isso foi o bastante para fazer o ânimo dela decolar. Ela aumentou o som do rádio e a voz do Elton John elevou-se, ficando quase tão alta quanto a felicidade de Pietra. Entrou no estacionamento de trailers, parou o carro ao lado da picape de Jimmy e saiu para a noite. O calor tinha ido embora e agora uma brisa suave soprava, estalando as bandeirinhas de festas nos varais e fazendo os lençóis se agitarem como aparições de um filme B de terror. Ainda assobiando, Pietra caminhou até seu trailer. Quando chegou à entrada, estancou.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...