FINAL

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Bom, acho que chegou a hora de você e eu nos separarmos. Foi uma caminhada e tanto – bem maior do que eu pensei que seria – mas agora chegamos ao fim do nosso passeio. A escuridão está terminando, e já conseguimos ver um pouco de luz à nossa frente. Depois de tanto tempo no escuro, ela quase nos cega.

Mas peço que espere só mais um pouquinho. Que continue com os olhos abertos. Há uma última coisa que eu quero mostrar a você. Não vai demorar, prometo. Lembre-se de que, se por acaso nos perdermos nesse trecho final do caminho, pelo menos estaremos juntos. E a escuridão não é tão assustadora assim quando você a divide com alguém, como diria uma garotinha de cabelo pretinho que você e eu conhecemos muito bem.

Está de olhos abertos? Então vamos. 

***

Estamos no Hospital Psiquiátrico Birdhill, nos arredores de uma cidadezinha com o nome de Judie's Hallow, próxima de Nova York. O lugar é chamado pelos habitantes de Judie's Hallow de Casa do Sol Nascente, devido ao enorme sol de olhos esbugalhados e sorriso de palhaço que os pacientes pintaram no muro oeste. De luminoso e caloroso, no entanto, Birdhill tem apenas o apelido. Seus corredores de paredes sujas e luzes fluorescentes – metade delas é defeituosa e fica piscando com um zumbido elétrico de mosquito, a outra não acende – são frios e claustrofóbicos. As janelas pequenas e apertadas, gradeadas como as de uma prisão, não deixam entrar quase nenhuma luz. Agora é noite, e chove bastante lá fora: uma tempestade tão feroz que parece os resquícios do dilúvio enviado por Deus nos tempos bíblicos.

Os funcionários de Birdhill não gostam de trabalhar em dias chuvosos e odeiam trabalhar em noites chuvosas. A luz dos relâmpagos que entra pelas barras das minúsculas janelas deixa os pacientes nervosos, e eles gritam quando os trovões rolam pelo céu. E, embora alguns desses pacientes não passem de esquizofrênicos, suicidas e pobres almas que saíram da fábrica com algum defeito de produção no cérebro – uma peça faltando, por exemplo, ou um parafuso frouxo, dependendo de como estava o humor de Deus no dia em que os criou – outros são perigosos. Algumas celas de Birdhill abrigam assassinos e psicopatas que fariam Charles Manson parecer doce como uma menininha colhendo flores no jardim.

O paciente que você e eu viemos visitar está na cela 171. Ele não tem medo do escuro. Ele não tem medo da chuva, da luz dos relâmpagos e tampouco grita de volta para os trovões. Há dois guardas parados à frente de sua porta e, quando o turno deles acabar às 6h da manhã, eles serão substituídos por outra dupla de homens igualmente grandes, portanto porretes elétricos e com a permissão de usar munição letal, se preciso. Esse paciente em questão é vigiado 24 horas por dia, mesmo com seu histórico de bom comportamento.

Agache-se aqui comigo e espie pela fechadura da cela dele: veja-o deitado no colchão da cama, vestido de branco e lendo com tranquilidade um jornal enquanto o mundo acaba em água lá fora. O jornal foi-lhe dado na manhã daquele dia por sua psiquiatra, uma mulher que certa vez se encontrou com aquela garotinha de olhos verdes e cabelo pretinho. Hoje, ela se movimenta em uma cadeira de rodas.

Vemos o paciente da cela 171 folhear o jornal até a página A3. Seus olhos, tão azuis quanto os da garotinha são verdes, brilham como pedaços de icebergs em um mar gelado. Ele lê o título da matéria: O Fim da Noite Escura: assassino de crianças é morto em New Shore. Quando ele sorri, seus lábios revelam as pontas afiadas de seus caninos.

- Muito bem, passarinho – ele diz. – Muito bem.

***

Pronto. A escuridão chegou ao fim. Agora olhe. Olhe bem.

Veja toda essa luz à sua espera.


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