18 (I)

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Naquela terça-feira quente, Pietra acordou mais cedo que o habitual. Abriu os olhos na cama e encarou o teto do trailer, onde dezenas de estrelas formavam constelações de papel. Elas pendiam de barbantes e giravam preguiçosas. Pietra acompanhou-as rodopiar, recortes de cinco pontas de páginas de revistas, então virou a cabeça no travesseiro e encontrou a responsável por trazer para dentro de casa aquele céu noturno.

Joanna dormia ao seu lado. Fora dela a ideia de pendurar estrelas no teto, assim como também tinha sido dela a ideia de pintar as palmas das mãos na porta do trailer e encher as paredes com todos aqueles desenhos. A imaginação da criança parecia um trem bala, e Pietra jamais tentara encapsular, controlar ou barrar aquele poder criativo. Deixava que Joanna fizesse suas pinturas e criasse seus céus particulares. Nunca entendeu aqueles pais que, por qualquer razão que fosse, diziam para seus filhos coisas como "não faça bagunça". São crianças, pelo amor de Deus. O que mais deveriam fazer? Ficar sentadas em um canto para não quebrar seus vasos caros e os pratos de porcelana que você ganhou de casamento? Arrume um robô.

Estendeu a mão e segurou o nariz da filha.

- Acorde, carrapato.

Joanna tentou puxar o ar, não conseguiu, engasgou-se e abriu os olhos. Pietra apertou o nariz dela com um pouquinho mais de força.

- Pietra, para! – Joanna chutou-a para longe. – Ô, Pietra, para com isso!

Pietra puxou-a para si e começou a fazer-lhe cócegas.

- É isso o que você ganha por ser uma dorminhoca, carrapato!

- Não sou um carrapato!

Quando a menina tentou se desvencilhar, Pietra apenas puxou-a outra vez e lhe deu um beijo molhado na bochecha.

- Eca!

- Sabe que dia é hoje?

Joanna ria enquanto tentava sair do abraço da mãe.

- Dia de dormir na vovó?

- Isso mesmo, dia de dormir na vovó – Pietra finalmente largou-a, e Joanna rolou para longe nos lençóis bagunçados da cama. – Ela já deve estar esperando a gente. Então vá tomar um banho, porquinha, porque você está fedendo.

- Não tô nada! – Joanna ergueu o braço e deu uma boa cafungada no sovaco. – Você é que tá fedendo, sua gambá.

- Do que você me chamou? – e atirou-se em cima dela outra vez.

Depois do segundo ataque de cosquinhas, do qual Joanna se livrou ao dar uma mordida no braço de Pietra, elas pularam da cama e a menina correu para o banheiro, bambeando para lá e para cá com suas perninhas. Pietra abriu o chuveiro para ela.

- O que você quer de café da manhã?

- Ovos com bacon.

- Então teremos ovos com bacon – disse Pietra. – Não conte para sua avó que eu dou essas merdas para você logo de manhã, tá bem? Ela me mata se descobrir.

- Você falou palavrão.

- Merda não é palavrão... E também não conte para sua avó que eu disse isso.

Pietra preparou o café da manhã para elas, colocando os pratos com bacon frito e ovos na mesa onde, na noite de domingo, jantara com Elroi Hauzer. Ela não pôde evitar um sorriso ao pensar nele, e perguntou-se onde ele estaria enfiado. Uma parte dela, a romântica muitas vezes ferida, mas nunca completamente morta que ela trazia dentro de si, tinha saudades dele. Não que ela precisasse de um homem para ser feliz, longe disso. Criara sozinha uma filha, e se saíra muito bem na tarefa. Ainda se saía, e jamais necessitou de um marido para sustentá-la ou ajudá-la a educar Joanna. Possuía o apoio de sua mãe, de seus amigos do acampamento de trailers, e isso bastava. Mas às vezes via-se solitária, e Elroi, de alguma forma, era capaz de preencher esse pequeno vazio que a acometia de tempos em tempos. Ele era um cara legal, e o fato de se dar bem com Joanna contava alguns – muitos – pontos a seu favor.

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