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Seu nome era George Cornwell e ele sonhava em ser astronauta.

Isso não era segredo para ninguém. Todo mundo na cidade de Fallpound sabia que o filho de Nathan e Martha Cornwell desejava embarcar em uma viagem sem volta rumo às estrelas. Ao entrar no quarto dele, você daria de cara com um enorme pôster de 2001: Uma Odisseia no Espaço colado com fita adesiva na parede, acima da cabeceira da cama, cujo colchão com toda certeza estaria forrado com um dos sete lençóis que George tinha do Buzz Lightyear. E, se essas coisas não convencessem você do amor que George nutria pelo espaço, os brinquedos espalhados pelo quarto convenceriam: espaçonaves e foguetes em miniatura pairavam no ar, pendurados por fios de barbante ao teto; figuras de ação de astronautas pilotando enormes veículos futuristas pela superfície da lua lotavam as prateleiras; um Sistema Solar construído por George com a ajuda do pai ocupava um lugar de honra no alto do guarda-roupa – seu pai inventara um mecanismo de imãs que fazia com que os planetas deslizassem sozinhos pelos aros de metal, dando voltas e mais voltas em torno de um grande sol amarelo de isopor. Em outubro do ano passado, George Cornwell fora à Festa de Halloween da quarta-série vestido de Neil Armstrong, trajando uma fantasia da NASA e com um capacete de astronauta de verdade, comprado pela mãe em um brechó de garagem. O garoto desfilou por toda a escola com aquele globo translúcido de vidro enfiado debaixo do braço, feito um herói de ficção científica desembarcando na Terra após salvar o mundo de um meteoro. Seus colegas de classe, devidamente impressionados, passaram a chamá-lo de Major Tom, apelido que George aceitou com orgulho, já que Space Oditty era sua música favorita. Claro que era. Aliás, seu pai prometera lhe dar de presente de aniversário de nove anos o novo álbum do David Bowie, coisa pela qual George esperava com ansiedade. O menino não sabia que morreria antes de ouvir as músicas inéditas do cantor.

George Cornwell morreu em um sábado. Naquele dia, ele acordou bem cedo ao som da mãe tocando piano no piso térreo da casa de dois andares em que moravam. Ele abriu os olhos e continuou na cama, fitando suas naves espaciais penduradas no teto balançarem de leve diante do vento que soprava pela janela. Fazia sol lá fora, uma manhã perfeita para entrar em órbita e explorar as profundezas escuras do espaço, lutar contra ameaças alienígenas e salvar o planeta uma vez mais. Pulou do colchão, dobrou com cuidado seu lençol do Buzz Lightyear, tirou seu pijama e colocou sua fantasia do Neil Armstrong. O capacete ele deixou sobre o criado-mudo – fazia calor demais para meter a cabeça naquela coisa quente que lembrava um aquário redondo – mas pegou sua réplica em miniatura da Apollo 11 e desceu correndo as escadas.

- George, já falei mil vezes para você não descer as escadas desse jeito! – sua mãe da sala de estar. Parou de tocar o piano, e a última nota ecoou com um duuuuuum agudo. – Quer cair e quebrar o pescoço?

- Desculpe, mamãe! – George abria a porta da frente e saía para o jardim, sem nem saber pelo o quê pedia desculpas. Não ouvira direito as palavras da mãe: dentro de sua cabeça, as turbinas da Apollo 11 rugiam alto, prontas para levá-lo à estratosfera e abafando todos os outros sons.

George Cornwell, o astronauta prodígio de oito anos, o Major Tom da cidade de Fallpound que fizera o maior sucesso na Festa de Halloween da escola, irrompeu porta afora com a Apollo 11 erguida acima de sua cabeça o máximo que seu pequeno braço permitia. Sua mãe gritou de novo, qualquer coisa sobre não sair do jardim e não falar com estranhos, mas agora o menino não escutou mesmo. Ele estava longe, lá no alto entre as estrelas, em um lugar onde os sons da Terra e as palavras de mães preocupadas não chegavam, conhecendo novos planetas e estudando culturas alienígenas, pilotando sua espaçonave e combatendo tiranos intergalácticos que queriam conquistar o universo. Ele correu pela grama, fazendo com a boca o barulho de turbinas, contornando os brinquedos que o pai construíra para ele no jardim: balanços, um escorregador, um carrossel com três cavalos de madeira sorridentes.

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