O assassino de Danny Straub, Ashley Morgan e tantos outros entrou na casa e bateu a porta. Sem pensar, Sophia atirou-se de ombro contra ela em plena corrida. Ocorreu-lhe apenas quando estava no ar que aquilo, provavelmente, entrava para o topo da longa lista de decisões estúpidas que ela tinha tomado na vida.
Seu ombro destruído chocou-se contra a porta com força suficiente para balançá-la nas dobradiças. A dor foi maior do que todas as que Sophia sentira até então. A que mais se aproximava era a do tempo de desintoxicação da heroína, e ainda assim ficava uns bons quilômetros para trás. A garota teve certeza de que iria desmaiar ali, bem na soleira dele – era como se uma serra cega e enferrujada arrancasse seu braço. Ela caiu e rolou, contorcendo-se às lágrimas. O tipo de agonia contra a qual você não pode fazer nada além de aguentar firme e esperar que passe logo.
Não soube quanto tempo ficou rolando no chão, agarrando o ombro baleado e com o sangue escorrendo entre os dedos, mas, quando a dor diminuiu o suficiente para permitir que ela ficasse de pé, Sophia o fez com rapidez. Olhou para a porta e viu uma mancha vermelha bem no centro, no ponto onde ela colidira ao se jogar como a grande idiota que era.
Ainda trêmula por causa da dor, ela pegou a Glock .40 que deixara cair e girou a maçaneta. A porta abriu-se sem produzir ruído. E Sophia ficou surpresa ao encontrá-la destrancada? Não. Nem um pouco.
Ele me quer aqui.
Com a Glock segura na mão esquerda, Sophia entrou na casa. Encontrou-se em uma sala normal, um tanto escura demais devido às cortinas negras que tampavam as janelas, mas nada que refletisse a mente doentia do morador. A garota olhou para o chão e viu a trilha vermelha que levava em direção à escada. Chapman o acertara e agora ele sangrava.
- Sangra, filho da puta.
Cuidado agora, boneca. Ele está esperando por você em algum lugar lá em cima.
- Eu sei.
Pensou em disparar sua mente, fazê-la galgar os degraus que levavam ao segundo andar e agarrar o assassino. Então se lembrou do que acontecera da última vez que tentara algo assim. No fundo de sua cabeça, ela ainda podia sentir as garras amarelas da coisa entre as estantes e prateleiras cravando-se em sua consciência, arrancando um pedaço generoso de sua psique.
Devagar, ela avançou para a escada. A casa estava tão silenciosa que Sophia conseguia escutar o pling-pling-pling de seu próprio sangue caindo de seu ombro ao chão, como água pingando de uma torneira. Parou diante do primeiro degrau, viu as manchas vermelhas ali e ergueu os olhos.
A escada propagou-se. Durou apenas um instante, mas Sophia soube que, como a respiração que ela sentira nas sombras daquele terrível porão, isso também não era sua imaginação. Os degraus se distanciaram, alongando-se e alongando-se para longe. Parecia a Casa Maluca que Sophia visitara com Pietra certa vez no parque de diversões. Então os ângulos voltaram à posição correta, as paredes pararam de ondular como se derretessem e a sensação passou. Era só uma escada normal com um corrimão sem graça.
Estava escuro lá em cima.
Atenta ao menor dos ruídos, ela subiu os degraus manchados do sangue dele, sem piscar, sem nunca tirar os olhos das sombras que a aguardavam no segundo andar. Podia imaginá-lo escondido lá em cima, atrás da porta de um quarto ou agachado na curva de um corredor, esperando para pular sobre ela feito o bicho-papão saindo do armário para comer a criança no berço.
Chegou ao último degrau e apontou a arma. O corredor estava vazio.
As sombras que antes a aguardavam no alto da escada correram dela. De novo: não foi sua imaginação. Elas realmente se afastaram como se Sophia fosse uma lanterna, deslizando pelas paredes, pegajosas, parecendo soltar uma espécie de guincho molhado que lembrava o som de água escorrendo. Ocorreu-lhe uma frase que escutara há muito tempo, em outra vida, em uma aldeia no coração de uma floresta amaldiçoada, vinda da boca de uma velha que não era velha de modo algum.
Você, minha criança, é como o sol.
Por algum motivo, isso deu a Sophia coragem. Ela olhou para o chão e não viu mais nenhum pingo de sangue. A trilha vermelha tinha sumido. Ou ele evaporara no ar, ou estancara o sangramento de alguma forma e esperava por ela mais à frente.
Com calma agora. Não era a voz de sua velha amiga. Era Chapman. Lembre-se das coisas que eu ensinei a você.
Ela assentiu, como se Chapman estivesse mesmo ao seu lado esperando uma resposta. Havia quatro portas no corredor, mas apenas uma entreaberta. Sophia seguiu na direção dela, pé ante pé, quase deslizando pelo chão para produzir o menos de barulho possível. Manteve a arma apontada o tempo todo.
Não perdeu tempo espiando pela fresta da porta entreaberta. Apenas escancarou-a e entrou, pronta para atirar contra qualquer coisa que se movesse... Só que nada se moveu. O quarto estava vazio. Sophia olhou por sobre o ombro ferido, esperando encontrar o homem parado atrás de si, mas tudo o que viu foi a parede pintada de branco do corredor.
Devia ter saído do quarto naquele momento, mas notou algo que a fez ficar paralisada na soleira da porta. Recortes formavam um mural na parede à sua frente: matérias de jornais e revistas, conectadas umas às outras por fios vermelhos, como aqueles quadros cheios de fotos de pistas e de suspeitos que ela às vezes vira no FBI, usados para criar a linha do tempo de um caso em particular.
Boquiaberta, Sophia olhou de recorte para recorte, reconhecendo o pesadelo do qual fizera parte cinco anos atrás. Fallpound. Ela baixou a arma sem sequer notar. Esquecera-se da dor em seu ombro. Viu o rosto de Chapman estampando uma foto em uma das matérias e, em outra, o de Harvey. Uma reportagem chamou-lhe a atenção por ter sido colada separada das demais, parecendo solitária fora do mural.
Sophia aproximou-se dela e viu que era uma notícia do New Shore Report sobre a morte de Danny Straub.
- Meu Deus... – ela soltou, baixinho.
E, no centro daquele mural enlouquecedor, estava uma foto sua. Sophia encarou a si mesma: seus olhos verdes, seus cabelo escuro e, na época, curto. O triângulo do Akai Ito tatuado em seu pescoço. Garotinha dos olhos verdes e do cabelo pretinho.
- Você sempre foi minha musa inspiradora, Sophia – ele disse atrás dela.
Sophia rodou o corpo, mas conseguiu dar apenas um meio-giro antes que ele caísse sobre ela, fechando as enormes mãos em seu pescoço. A garota disparou a arma uma vez, um kaboom! que soou incrivelmente alto naquele quarto e que deixou para trás um cheiro penetrante de pólvora. O tiro perdeu-se em algum lugar, e então ele apertou o ombro dela, enfiando o dedão dentro do buraco aberto ali e depois torcendo. A dor a cegou e ela gritou enquanto deixava cair a Glock.
- Não se preocupe, eu não vou machucar você. Eu amo você.
Mas ele já a tinha machucado e, quando ela tentou se desvencilhar, ele a machucou de novo: ergueu-a no ar e bateu com Sophia contra o mural de recortes. A cabeça da garota colidiu na parede e produziu um barulho oco, como se o interior do seu crânio fosse um espaço vazio, e ela simplesmente desabou nocauteada, as forças escoando de suas pernas. Páginas de revistas e jornais escaparam da parede e choveram ao seu redor.
- Eu estou aqui – Sophia sentiu um joelho duro como rocha pressionar o centro de sua espinha. – Calma. Estou aqui com você.
Sua mente gritava para ela se levantar do chão; seu corpo se recusava a obedecer ao comando. O joelho em sua espinha pressionou com mais força, e Sophia achou que seria partida ao meio. Ela era tão pequena, será que ele não via? Então a garota sentiu algo em seu pescoço. Algo que reconheceu de imediato. Achava que o tempo das agulhas tinha acabado.
Estava enganada.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...