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Sophia já tivera muitos sonhos ruins na vida, mas aquele ali com certeza era um forte concorrente ao prêmio de pior de todos.

Soube que estava sonhando assim que abriu os olhos e viu o wendigo parado ao seu lado. O enorme animal debruçava-se sobre ela no sofá, suas galhadas tão altas quanto torres quase tocando o teto. Aqueles olhos laranjas brilhavam como dois sóis alienígenas na escuridão do quarto, e a besta tinha a cabeça um pouco inclinada para a direita, o que lhe dava um ar de curiosidade. Parecia perguntar "quem é você?" para Sophia. A garota estendeu a mão e lhe acariciou o focinho, e o wendigo lambeu os dedos dela com uma língua vermelha e áspera feito lixa. Depois afastou-se, seus cascos reverberando como pequenos abalos sísmicos toda vez que tocavam o chão.

Sophia sentou-se no sofá, achando que o sonho terminaria ali e ela logo acordaria, mas não foi isso o que aconteceu. Algo se fechou em seu punho direito. Algo frio e molhado, que apertou. Quando ela olhou para ver o que era, deu de cara com Danny Straub. O garoto morto a encarava com coisas que não eram olhos, e sim dois poços escuros e vazios. Sua pele não passava de um papel cinzento e quebradiço esticado sobre os ossos, e seus cabelos negros, antes tão brilhantes, tinham caído, sobrando apenas alguns tufos aqui e ali no crânio coberto de feridas abertas. De sua testa, brotavam dois chifres de veado. Ele escancarou para Sophia uma boca de lábios carcomidos e dentes faltando, e um cheiro de podridão atingiu-a em cheio no rosto.

Ela encheu os pulmões para gritar, mas então outra mão fechou-se em seu outro braço, e Sophia soube o que encontraria antes mesmo de se virar. Lá estava Ashley Morgan, tão cinzenta quanto Danny Straub, o vestidinho branco todo rasgado e farfalhando com um som de folhas secas se partindo, embora não houvesse vento algum. Ao contrário do garoto morto, ela ainda tinha cabelos, mas o dourado desaparecera: os fios estavam brancos e sem vida. Uma venda encardida com manchas velhas de sangue cobria os olhos de Ashley, deixando-a cega. De suas costas, brotavam dois esqueletos de asas, com algumas plumas castigadas penduradas.

- Vem com a gente – disse Ashley Morgan.

- Vem com a gente para o Infinito – disse Danny Straub.

- Vem com a gente para as prateleiras.

Sophia tentou levantar do sofá, mas as crianças mortas a puxaram de volta e depois a jogaram no chão. Ela caiu de joelhos, como Ashley Morgan no altar, gritando, tentando acordar, mas o pesadelo continuava e continuava. Então, ocorreu-lhe um pensamento assustador o bastante para acabar com a pouca sanidade que ela ainda conservava e enlouquecê-la de vez:

Isso não é um sonho.

- Chapman! – ela gritou. E depois começou apenas a berrar.

A porta do quarto abriu e um vento frio entrou. Sophia ouviu o barulho de passos se aproximando de onde ela estava caída de joelhos, gritando e tentando se livrar das crianças mortas que seguravam seus braços. O som de alguém chegando perto ficou mais alto. Dava até para escutar a respiração daquela coisa: um som baixo e gorgolejante de um rio correndo por entre pedras. O que quer que aquilo fosse, caminhou até ficar de frente para Sophia e parou. Ela manteve os olhos fechados.

Chega. Por favor, me deixa acordar. Vou enlouquecer. Se eu não acordar, eu vou ficar louca.

Só que ela não acordou, e a coisa à sua frente colocou um dedo que parecia um pedaço de gelo sob seu maxilar e obrigou-a a erguer o rosto. Sophia viu-se encarando Yuri Watson. Ele tinha sangue na boca, nos dentes e na camisa, e o som de água batendo em pedrinhas vinha de seu peito baleado. Era o barulho de seu pulmão destruído, mas ainda funcionando. Nas mãos, Watson trazia um fio de arame farpado.

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