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Um rádio estava ligado em algum lugar ali perto. Tocava Where Is My Mind, embora fosse difícil para Sophia discernir as palavras. Estática demais, cortes demais. Conseguia reconhecer a melodia e algumas partes do refrão, mas isso era tudo.

Abriu os olhos. O mundo continuou escuro.

Amedrontada e sem saber o que acontecia, a primeira coisa que Sophia pensou foi: estou cega. O pensamento durou um segundo, o suficiente para que um desespero terrível crescesse em seu peito. Então, ela percebeu que algo cobria sua cabeça. Um sufocante saco de pano. Tentou levantar as mãos para arrancar aquela porcaria do rosto, e sentiu as cordas mordendo seus pulsos. Seus tornozelos também estavam amarrados e o encosto frio de uma cadeira pressionava suas costas.

Escutava o coração ribombando ao pé do ouvido, alto como um badalar de sinos.

O gosto amargo em sua boca era de uísque.

Algo rangeu em algum lugar acima dela. Dobradiças. Nhéééérc. E depois, passos. Botas esmurrando os degraus de uma escada, soando como os tambores naquela floresta de Fallpound. Sophia retesou o corpo, preparada para o que quer que viesse. Estava amarrada, mas não havia nada tampando sua boca. Ela o morderia até arrancar pedaço, se fosse preciso.

Sentiu a presença dele ali com ela: uma massa enorme que fazia-se perceber apenas por seu peso e tamanho. E a respiração rápida e excitada. O som do rádio, que agora tocava o que parecia ser uma música gospel, diminuiu, reduzindo-se a um ruído estático de fundo. Dedos fecharam-se sobre o saco de pano na cabeça de Sophia e arrancaram aquela coisa quente e abafada de seu rosto.

E, de repente, Sophia estava cara a cara com ele.

Não era o rosto de um monstro. Não era o rosto do bicho-papão no armário ou da coisa debaixo da cama à espera de um pé descoberto para agarrar. Era um rosto normal, quase bonito e familiar de uma forma distante. Como se Sophia já o tivesse visto enquanto dormia. Lera em algum lugar que o cérebro é incapaz de criar feições – que todos aqueles estranhos em nossos sonhos são, na verdade, pessoas que encontramos em algum lugar e que ficaram alojadas em um ponto oculto da mente. Se isso fosse verdade, então Sophia provavelmente já topara alguma vez com o homem à sua frente. Talvez andando na rua, talvez em um bar ou em uma de suas intermináveis viagens pela Estrada.

- Desculpe por colocar isso em você – ele balançou o saco negro e atirou-o no chão. – Mas deixei o rádio ligado para compensar. Você tem cara de quem gosta de música. Estou certo?

Sophia não respondeu. A luz do porão era vermelha e dava ao lugar uma tangibilidade irreal. Até onde ela sabia, aquilo ali poderia muito bem ser um sonho. É claro que, se ela estivesse dormindo, a dor em seu ombro direito baleado já a teria acordado há muito tempo.

- Não precisa ter medo, querida – ele disse, ajoelhando-se à frente dela, mas mantendo uma distância segura, de modo que Sophia não podia alcançá-lo com os dentes, como pretendia fazer. – Não farei mal algum a você. Nunca.

Aquele papo de novo. Será que ele realmente acreditava naquilo? Sophia achava que sim, e isso era o mais assustador. A loucura. Toda aquela loucura que pulsava pelo porão. Que emanava do amarelo dos olhos dele.

- Não vai me fazer mal? – disse Sophia. Sua voz soou seca. Precisou raspar a garganta para não tossir. – Como não fez mal a Ashley Morgan? Ou a Danny Straub?

- Eu não os machuquei.

- Você os matou.

- Não!

Ele gritou e um segundo depois estava em cima dela, agarrando-a pelos cabelos e puxando a cabeça dela para trás. Sophia arfou e viu-se encarando o teto coberto por lençóis brancos que pareciam banhados de sangue à luz vermelha.

A Voz da Escuridão.Onde histórias criam vida. Descubra agora