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A Cathedral Street estava fechada, e Sophia pisou no freio quando viu a barreira formada por três viaturas. Um policial jovem com resquícios de acne no rosto fez um sinal para ela dar meia-volta com o Sedan.

- Mas que merda, Chapman – Sophia deu ré. Iria procurar outra forma de entrar e, se não encontrasse, invadiria a cabeça de cada policial ali e os convenceria a deixá-la passar. No momento estava pouco se fodendo para sua ética.

Ela se afastou do bloqueio e pegou a rua que dava para os fundos do prédio de Jéssica Shepard, passando por pessoas curiosas que corriam na direção contrária à dela, todas querendo ver o que acontecia lá na frente. New Shore rendia fortes emoções ultimamente, e ninguém podia se dar ao luxo de perder nada, embora Sophia achasse esse tipo de comportamento um tanto perturbador – se havia alguma coisa para se admirar em um caso cheio de crianças mortas, então essa coisa lhe escapava.

Com o lábio inferior entre os dentes, Sophia dirigia devagar e procurava alguma entrada pelos fundos – uma porta de serviço ou uma escada de incêndio, qualquer coisa assim – quando algo pesado caiu em cheio no capô do Sedan.

Kablam!

- Puta que...

Ela freou de súbito. Provavelmente, teria sido atirada contra o para-brisa, não fosse o cinto de segurança que mordeu seu pescoço e deixou ali uma marca vermelha de pele esfolada, segurando-a no banco de motorista. Ele não impediu, no entanto, que ela batesse a testa no volante. Sua cabeça zumbiu e sua vista ficou pontilhada de pequenas estrelas rodopiantes. Abriu os olhos a tempo de ver uma chuva de cacos cair sobre o capô, os pequenos losangos de vidro espatifando-se no carro e na rua.

Viu também aquilo que aterrissara no Sedan: um homem, vestido de negro e encolhido em uma bola.

No começo, ela ficou sem reação, incapaz de largar o volante ou de piscar. Enquanto dirigia do Days Inn para a Cathedral Street, ignorando – obviamente – o aviso de Chapman para ficar no hotel, Sophia repassara na cabeça todos os possíveis desdobramentos que podiam vir a acontecer naquela manhã: um tiroteio, uma perseguição de carro, Jéssica Shepard morta como na premonição que ela vivenciara. Mas jamais chegou a cogitar que um homem iria cair do céu feito um meteoro em cima do Sedan. Ela pensou desconexa: ah, porra, o capô está todo fodido, Lívia vai me matar, e depois it's raining men, aleluia, e teve uma vontade absurda de rir.

- Meu Deus do céu – um carro vermelho tinha parado do outro lado da calçada e um homenzinho japonês, quase tão baixinho quanto Sophia, de óculos e usando uma calça cáqui, desceu do veículo e olhou boquiaberto a cena. – Vocês... Vocês estão bem?

Sophia olhou para o japonês baixinho que se aproximava com passos hesitantes, e a resposta que lhe ocorreu foi: está tudo bem. Acontece que está chovendo homens, mas eu não digo aleluia porque gosto mais da outra coisa. Que azar o meu, heim. Dessa vez, ela não conseguiu se conter e soltou um risinho estrangulado pelo nariz.

Então o homem que caíra do céu virou-se no capô destruído e Sophia pôde ver seu rosto. Bem, não o rosto, mas sim a máscara negra que cobria a cabeça dele, e entendeu quem ele era. Ainda assim, não conseguiu se mexer, porque os olhos dos dois tinham se encontrado: verde fitando amarelo, e alguma coisa estalou dentro da mente de Sophia. Uma engrenagem que entrou – ou saiu – do lugar. Uma conexão foi feita naquele instante, e a garota sentiu-a no âmago do seu ser, no fundo de suas entranhas. Como se um fio condutor de corrente elétrica tivesse se formado entre ela e o homem de máscara negra, estalando e soltando faíscas, uma força que uniu a mente de ambos. Não foi uma impressão, tampouco era uma metáfora. Foi algo real, que fez Sophia pensar em destino, em pactos com o Diabo e em pessoas ligadas eternamente até após a morte.

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