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Sophia descobrira algo engraçado sobre sua mente estranha: ela funcionava melhor quando a vida da garota corria perigo. Tinha sido assim em Fallpound, tinha sido assim em Oldwheel e era assim agora, naquele porão quente e escuro. Talvez por isso Sophia viu com tanta nitidez o que aconteceu.

A coisa atirou com sua calibre .45 no mesmo instante em que Chapman disparava com a Glock. Pietra começou a gritar. Os tiros ribombaram com um som alto de estampido – pah! pah! pah! Sophia não chegou a contar quantos, mas contou as balas que atingiram Chapman: quatro, no peito, lançando-o de costas para trás. Ele caiu no colo de Sophia, que envolveu-o com o braço direito sem mão e apertou-o junto de si. A fumaça que saía dos canos das armas cobriu tudo com uma cortina branca através da qual a luz vermelha abria caminho em raios rubros e irados. Um "não!" partiu dos lábios de Sophia, embora ela não tenha escutado a palavra devido ao zumbido que tomava conta de seus ouvidos.

Então quem caiu para trás foi a coisa. Ela desabou sentada, largando a arma e agarrando a garganta como se engasgasse. O tiro de Chapman a atingira de raspão e abrira uma guelra profunda no lado esquerdo de seu pescoço, um corte limpo que vertia sangue. A coisa tossia enquanto tentava ficar de pé, tropeçando nas próprias botas.

Mas isso Sophia não notou, assim como não notou o momento em que a coisa finalmente se levantou e correu escada acima ou as lágrimas que escorriam quentes por suas bochechas. Naquele segundo, nada no mundo importava além do homem caído em seu colo, com sangue vertendo dos quatro buracos abertos em seu peito e com mais sangue se acumulando nos cantos dos lábios. A respiração de Chapman tinha se transformado em algo horrível, um barulho de chiado que lembrava gás vazando. Fazia Sophia pensar nos pulmões destruídos de Yuri Watson.

As mãos de Chapman tremiam, os dedos abrindo e fechando, abrindo e fechando, e Sophia usou o toco para levantá-las e levá-las aos ferimentos de bala no peito dele.

- Você tem que fazer pressão, Benny – ela mesma faria se não estivesse algemada. – Por favor, Benny, por favor, você tem que fazer pressão.

Chapman fechou os olhos e balançou a cabeça.

- Não... – ele tossiu, sangue esguichando de sua boca e pingando em seu rosto.

- Benny, por favor, por favor. Não faça isso comigo.

- Sophia... Escute...

- Não. Você não tem esse direito. Eu não te dei esse direito.

- Psiu... Tudo bem, garotinha. Tudo bem.

Era ela quem deveria estar dizendo aquilo para ele, não era?

- Você prometeu que não ia me abandonar – ela tinha desistido de tentar parar o sangramento. Qual era o ponto? Ao em vez disso, apenas o apertava com o braço direito. – Você prometeu pra mim.

- Eu sei... Sinto muito.

- Não me deixa sozinha.

- Deixe-me ver seu rosto. Deixe-me olhar para você.

Sophia tirou o rosto dos cabelos de Chapman, e ele ergueu uma mão para ela. Sophia desejou poder segurá-la. Ele acariciou a bochecha dela, deixando ali trilhas de sangue e secando suas lágrimas.

Então sua mão caiu no piso sujo do porão, a palma virada para cima, e o homem que uma vez leu histórias para Sophia dormir, que deitou-se ao lado dela na cama para protegê-la durante uma madrugada de tempestade, que a ensinou a dirigir e a consertar um carro, que dançou valsa com ela em uma noite brilhante de Natal, que a levou para seu primeiro encontro, o homem que falou para ela não chorar quando Sophia caiu de bicicleta e ralou os joelhos ou quando ela chegou em casa repleta de picadas de agulhas, que cuidou dela e a amou, que prometeu nunca abandoná-la e que agora morria em seus braços, disse:

- Eu tenho tanto orgulho de você.

Seu peito subiu, desceu, subiu, desceu... e não subiu mais.

Decepcionantemente simples assim.

***

Quando Chapman morreu, ela ainda chamava o nome dele.

A Voz da Escuridão.Onde histórias criam vida. Descubra agora