- Pense nisso como um treinamento para ela – disse o diretor Harvey para o recém-formado agente Chapman. – Uma, hum, demonstração do que ela pode fazer.
Chapman não respondeu. Apenas aproximou-se da grande janela divisória que separava a sala em que ele se encontrava daquela onde Sophia estava. A garotinha sentava-se em uma cadeira branca, da mesma cor das paredes, teto e chão do lugar – para Chapman, o cômodo lembrava em tudo um quarto de hospício. Só que, ao em vez de uma camisa de força, Sophia usava um vestidinho igual àquele de quando Chapman e ela se encontraram pela primeira vez, um ano atrás. Tinha também os mesmos olhos assustados: eles iam de lá para cá, duas bolas de gude esverdeadas que não paravam quietas.
- Ela está com medo – disse Chapman, sua respiração embaçando o vidro à sua frente.
- Ela está bem, homem – disse o diretor Harvey. – Além do mais, o tio dela está lá com ela.
Era verdade. Ermolai Dmitri estava na sala branca com Sophia. Havia uma mesa no centro do lugar, onde uma estranha máquina quadrada repousava. Ela apitava de uma maneira irritante, piscando uma luzinha vermelha, e lembrava a Chapman uma grande impressora. Uma cabeleira emaranhada de fios saía da parte de trás dessa máquina, e o Dr. Dmitri mexia neles, a testa franzida de concentração. Chapman observou, nervoso, enquanto Ermolai pegava dois fios, cada um terminando em um quadradinho de silicone com uma agulha, e avançava na direção de Sophia.
Na cadeira, a garotinha ergueu os olhos para o homem. Apertou contra o peito Furgus, enterrando o queixo no pelo cor-de-rosa do coelho de pelúcia.
- Você vai sentir apenas uma picadinha, querida – disse Ermolai. – Não vai machucar, prometo.
- Não gosto de agulhas – disse Sophia. Deu para escutar em alto e bom som, mesmo com o coelho pressionado contra sua boca e abafando sua voz.
- Por favor, Sophia – Ermolai se aproximou mais um passo, um fio em cada mão. – É importante. Você sabe disso.
- Não quero, tio – dava para ver que a garotinha lutava contra as lágrimas, e que perdia a batalha: seus olhos grandes ficaram marejados de pontinhos de brilhante. – Não gosto de agulhas – repetiu.
- Sophia...
Chapman não aguentou mais. Mesmo sem a permissão do diretor Harvey, ele apertou o botão na parede que abria a comunicação entre os dois cômodos. Quando falou, sua voz saiu pelos alto-falantes pendurados no teto do quarto branco onde Sophia lutava bravamente contra o medo de agulhas.
- Está tudo bem, querida – disse Chapman. – Estou bem aqui com você.
Os olhos de Sophia decolaram das agulhas nas mãos de Ermolai e pousaram em Chapman. Ele não sabia dizer se a garotinha conseguia vê-lo através da janela divisória ou não, mas achava que sim. Sophia era capaz de muitas coisas. Quando ela falou, foi dentro da cabeça dele.
Por que eles ficam me furando com essas agulhas? Eu tenho medo delas.
Eu sei. Eu também tenho. Fujo de agulhas o tempo todo. Não consigo me lembrar da última vez em que fui ao médico por ter medo de injeções. Mas você é muito mais corajosa do que eu.
Eu não sou corajosa. Eu estou com medo.
Não estaria com medo se não fosse corajosa, doçura. Agora, mostre para eles do que você é feita. E pode chorar, se quiser. Não há vergonha nenhuma nisso.
Chapman sentiu-a deslizando para fora de sua mente, e Sophia seguiu ambos os conselhos dele: mostrou do que era feita e permitiu-se chorar. Ela baixou Furgus e ergueu o queixo para seu tio, enquanto duas lágrimas riscavam suas bochechas. Ermolai ajoelhou-se à frente dela e levou as pontas dos fios às têmporas de Sophia. A garotinha fechou os olhos e fez uma careta de dor quando Ermolai fixou as agulhas em sua cabeça.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...