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Terminaram de jantar, e Sophia ofereceu-se para lavar a louça, mesmo diante dos protestos de Lívia. A verdade era que a garota queria se sentir útil de alguma forma. Por isso levou os pratos, copos e talheres à pia, enquanto Lívia ficava sentada à mesa tomando vinho de uma taça que ganhara de presente de casamento. Ela girou nas mãos a garrafa de bebida vazia, um Dow Vintage Port da melhor qualidade. Sophia e Lívia tinham tomado até a última gota enquanto comiam a macarronada.

- Esse sempre foi o nosso vinho favorito – disse Lívia, lendo o rótulo. – Meu e do Benny. Costumávamos beber um todo fim de semana. Já você prefere coisas mais fortes, se eu bem me lembro.

- Pois é. Sou movida a doses de vodca e tequila – Sophia sorriu, embora aceitasse de bom grado outra garrafa de vinho naquele momento. O álcool a deixava feliz, aquecia seu rosto de uma maneira gostosa. – Eu tinha me esquecido de como você cozinha bem, Livy.

- Se quer fazer uma pessoa te amar por um tempo, conquiste-a pelo coração – disse Lívia. – Se quer que ela te ame para sempre, conquiste-a pelo estômago.

As duas riram dessa pequena pérola de sabedoria. Lívia bebeu o resto do vinho com um único gole e levantou-se da mesa. Suas bochechas estavam vermelhas e ela tinha os olhos um tanto embriagados.

- Acho que vou me deitar – ela disse. – Aprendi a não esperar acordada por Benny.

De novo, o toque de ressentimento na voz dela. Sophia apertou os lábios e ficou calada, concentrada em lavar um prato de porcelana.

- Deixei seu quarto arrumado, está bem? – Lívia colocou a taça vazia na pia e olhou para Sophia. – Tem cerveja na geladeira, se quiser. Fique à vontade.

- Eu estou – disse Sophia. – Obrigada novamente.

Lívia assentiu, hesitou por um instante ao lado de Sophia, então puxou-a para si e lhe deu um beijo na têmpora.

- Bem-vinda de volta, cupcake – disse Lívia, usando o apelido que dera à Sophia quando a garota era uma criança. – Boa noite.

- Boa noite, Livy.

Depois que Lívia se retirou para o quarto, Sophia terminou de lavar a louça, tendo como companhia apenas o som da água caindo da torneira e o barulho de porcelana batendo contra porcelana. Enxugou tudo e guardou cada coisa em seu devido lugar no armário da cozinha. Aceitou o convite de Lívia para pegar uma cerveja na geladeira e foi para a sala com uma latinha de All Star na mão. Não acendeu as lâmpadas: Boston era como uma ilha de luzes quentes na escuridão, e toda aquela iluminação alaranjada entrava pela janela, provendo claridade mais do que suficiente. A garota sentou-se na poltrona, abriu a cerveja, acendeu um cigarro e fechou os olhos, sem pensar em nada, bloqueando os sons do sábado agitado e aproveitando a quietude. Sophia devia ser uma das únicas pessoas no mundo a possuir um dos talentos mais raros da humanidade: ela sabia apreciar o som do silêncio.

Cerca de uma hora depois, decidiu ir para a cama. Seu quartinho continuava exatamente como ela se lembrava: as mesmas estantes nas paredes, onde livros que ela lera em sua adolescência, como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, dividiam o espaço com filmes de Star Wars e Tarantino; a mesma cômoda de seis gavetas, próxima a um armário cheio de adesivos de bandas como ACDC, Metallica e Styx; a mesma cama de solteiro, coberta por um lençol roxo berrante. Sophia jogou em cima dela a mochila que trouxera consigo, então se ajoelhou perto do criado-mudo e empurrou-o de lado. Agarrou o quadrado de piso que ficava ali debaixo e puxou, sorrindo quando ele saiu em suas mãos, revelando um pequeno buraco no chão. A garota perdera a conta de quantas vezes usara aquele piso solto como esconderijo para maconha e bebida. Acreditava realmente que Chapman e Lívia nunca chegaram a desconfiar disso.

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