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A poucos quilômetros dali, o assassino de Danny Straub e Ashley Morgan também fazia um desejo: pedia à Força que habitava seu ser que o guiasse. Que lhe mostrasse o caminho até Sophia Manning.

Estava há mais de 24 horas sem dormir. Seu corpo, a casca fraca que ele era obrigado a habitar, mostrava sinais de exaustão. Mas ele impunha sua Vontade contra a condição humana – só pregaria os olhos após concluir seu trabalho.

Depois de terminar sua obra de arte na igreja, ele dirigira direto para casa e tirara do armário sete caixas de arquivos, cheias do material que coletara ao longo dos últimos cinco anos sobre o caso de Fallpound. Recortes de jornais e de revistas, fotos, entrevistas, documentários gravados em DVD. Espalhara tudo no chão da sala e relera todos os artigos, assistira novamente a cada filme. E, para sua surpresa, Sophia Manning dava as caras pouquíssimas vezes. Ele não reparara nisso antes.

Apesar de Sophia Manning ser citada como a grande responsável pelo fim do reino de terror de Abukcheech e seus Monstros da Floresta, ela quase não aparecia em nenhuma reportagem ou matéria. Os agentes que prestaram entrevista na época não a mencionavam uma vez sequer e, dos mais de vinte documentários que ele tinha gravado em DVD, apenas um falava da garota. A repórter a chamava de "heroína" e dizia que "segundo Bernard Chapman, o líder da operação Fallpound, o FBI nunca teria sido bem-sucedido sem a ajuda dela". E pronto, só isso.

A garota aparecia com uma frequência um pouco maior nos jornais – fora de um deles que ele recortara a foto que agora se encontrava colada na parede do quarto. Sempre que deparava com o nome dela em uma matéria, ele o destacava com um marca-texto. No final, terminou com 17 "Sophia Manning" grifados, o que não fazia o menor sentido. Se ela era mesmo a responsável por pegar Abukcheech, o assassino que matara mais de 180 pessoas naquelas florestas escuras, a mídia deveria tê-la aclamado. Estampado seu rosto em cada capa de revista, erguido uma estátua dela em Fallpound ao lado daquele monumento aos mortos. Sophia merecia ter recebido uma medalha das mãos da porra do presidente. Ao em vez disso, tudo o que ele encontrou foram citações esporádicas. Ou Sophia não tivera uma participação tão grande assim no caso, ou...

Ou eles a fizeram desaparecer, meu amor. De propósito. Não queriam o nome dela circulando por aí.

- Mas por quê?

Bom, aí você me pegou. Por que não pergunta a ela?

Ele perguntaria, se pudesse. Ah, sim, perguntaria mesmo. Passaria horas e horas, dias inteiros conversando com Sophia Manning em seu porão, e iria querer saber tudo sobre ela. Cada detalhezinho. Contaria à garota que ela era sua musa inspiradora, a responsável por ele ter escolhido virar um artista. Diria a ela o quanto amava seus olhos verdes e seus cabelos noturnos.

Mas, para que isso tudo virasse realidade, primeiro ele teria que encontrar Sophia Manning. E não tinha muito com o que começar, nada além de matérias antigas que sequer falavam direito da garota. Conseguira traçar uma tênue linha do tempo com aquilo que havia em suas caixas de arquivo: Sophia ingressou nova no FBI, Fallpound era – aparentemente – seu primeiro e único caso, ela fez parte da equipe que capturou Abukcheech, estava naquelas florestas na noite em que o pegaram, foi ferida – segundo os jornais, esfaqueada pelo assassino – e, depois, Sophia simplesmente desapareceu. Virou um sussurro.

Sophia Manning era um fantasma. Uma nota destoando do universo. Um dente de leite imaculado em uma boca cheia de cáries. Alguém que, assim como ele, não pertencia a esse mundo de mentira.

Tal conceito o agradava.

Sentado entre as matérias de jornais, ele suspirou fundo e balançou a cabeça. Precisava pensar. Planejar com cuidado sua próxima obra. E, por mais que odiasse ceder às falhas de sua casca, precisava também dormir.

Não demore muito. Você tem que se alimentar. A força que pegou da garota anjo já está se esgotando.

Estava? Ele não tinha reparado, não concentrado como ficara em estudar Sophia Manning a fundo. Mas sim: a luz que até pouco tempo atrás jorrava de seu corpo começava a perder o brilho, como uma lâmpada que queima aos poucos. O poder que ele absorvera de seu anjo o abandonava. Acontecia cada vez mais rápido agora. Danny Straub durara pouco; Ashley Morgan, menos ainda. Algo dentro dele lhe dizia que Sophia Manning seria uma fonte inesgotável de força: que, se devorasse o que ela tinha, nunca mais precisaria se preocupar em comer de novo.

Sophia Manning, além de ser sua primeira e única musa inspiradora, seria também sua obra de arte perfeita e sua última refeição.

Ela é a materialização do definitivo.

Esse conceito também o agradava.


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