- Cohen não atende o celular – disse Chapman, entrando no trailer com os olhos fixos no corpo no chão. – Liguei para a delegacia, mas ele acabou de sair para cuidar de uma emergência. A policial Ronda prometeu enviar uma viatura para cá assim que...
E parou de falar. Tinha erguido o rosto e visto Sophia sentada na beirada da cama, olhos fechados e a cabeça pendendo um pouco para a esquerda. Lembrou-se do que acontecera na noite anterior no quarto do hotel, quando ela apagara por completo enquanto conversavam, e achou que a garota estava tendo outro daqueles ataques. Deu um passo na direção dela e estancou.
- Chefe? – os passos de Grimmes subindo os degraus da entrada ecoaram pelo trailer. – Temos que cobrir esse corpo com alguma coisa. Não podemos deixá-lo assim, ou as pessoas daqui vão começar a...
- Psiu, cale a boca – sussurrou Chapman. Grimmes ergueu as sobrancelhas sem entender e virou-se para ver o que ele olhava. Chapman escutou o silvo que a respiração do garoto produziu quando ele a prendeu.
Grimmes tinha enxergado o mesmo que Chapman: a silhueta da garotinha, aquele contorno difuso, difícil e um pouco desconfortável de se olhar. Fazia mal à vista. Para eles, era mais ou menos como tentar encarar uma pipa no céu durante o sol do meio-dia.
- Mas o que...
- Psiu – repetiu Chapman.
A garotinha pressionava uma das palmas contra a bochecha esquerda e queimada de Sophia. Chapman não sabia o que acontecia ali, mas sabia que não deviam quebrar aquela conexão. Algo importante e incompreensível – pelo menos para ele e Grimmes – se passava entre Sophia e Ashley Morgan. Então eles apenas esperaram, prendendo a respiração e abismados como todo o ser humano fica ao deparar com algo que desafia as leis da Natureza. E uma garota com poderes psíquicos tendo uma conversa mental com uma criança morta com certeza se enquadra nessa categoria.
Quando Chapman começou a achar que Sophia tinha pegado no sono – seu rosto repousava tão tranquilo contra a palma de Ashley – ela abriu os olhos. Assentiu uma vez e sorriu.
- Obrigada – disse Sophia. – E aguente firme, querida. Vou tirar você daí. Prometo.
Ashley Morgan afastou a palma do rosto dela e desapareceu. Sem estardalhaço, sem ascender em um orbe dourado rumo ao céu como acontece com os espíritos nos filmes. Simplesmente sumiu feito uma chama que se apaga.
Só então Chapman conseguiu respirar de novo, embora continuasse incapaz de elaborar palavras. Sophia levantou-se da cama, enxugou os olhos e, com calma, caminhou até a estante, colocando ao lado da televisão um porta-retratos. Depois, virou-se para eles.
- Eu sei onde eles estão – disse Sophia. – Ashley usou o pouco de força que lhe restava para me mostrar o caminho, só que precisamos correr. Antes que ele descubra que estamos indo.
Chapman e Grimmes se entreolharam.
- Se demorarmos, vamos perdê-lo para sempre – Sophia disse
O celular de Chapman estava em suas mãos, e ele olhou para o aparelho. Por incrível que pareça, o que ele queria fazer naquele momento era ligar para Livy e escutar a voz dela. Perguntar o que fazer. Ela sempre fora sua bússola, o compasso que o mantinha no caminho certo quando tudo era escuridão. E Deus sabia que ele precisava de uma luz ali.
Enfiou a mão no bolso e tirou a chave do Ranger. Jogou-a para Sophia.
- Você sabe o caminho – ele disse. – Você dirige.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...