A FACE DO MAGO

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  A FACE DO MAGO 
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         Todos que estavam no quarto voltaram seu olhar para Hayden. Sua expressão era mais uma vez distoante com a de todos os demais.
Normalmente era a mais carrancuda e fechada de todos. Mais até que a de Dêm. Que com o cargo duro de cabal, que manteve por muitos e muitos ciclos Solares, havia adquirido feições muito preocupadas e rígidas.
Agora, porém, a expressão do grandão era mais amena que a do próprio Kay'Lee.
Ninguém entendeu. Mas também, ninguém deixou transparecer a surpresa. Agiram com naturalidade. Mantendo silêncio e continuando a velar o corpo inerte e que a cada momento parecia estranhamente mais enrugado.
— E então? Prontos para tirar essa maldita máscara? — falou Hayden quebrando o silêncio e o clima fúnebre.
— Harold ordenou que o convocássemos quando fôssemos fazê-lo. — avisou Dêm.
— Hmm. Então vamos passar a noite em claro esperando o rei acordar. — disse o jovem guerreiro com seu tom irônico quase saudoso.
— Cuidado... Acha que o rei não o puniria por tamanho desrespeito? — redarguiu Harley.
— Ora. Somos praticamente amigos.
Ninguém tentou intender mais um de seus repentes insanos. Apenas mantiveram silêncio olhando para Stok com expressão confusa, esperando alguma explicação vinda deste.
Stok gesticulou  negativamente erguendo o braço em rendição, deixando claro que não sabia nada a respeito.
Com o silêncio retomando o controle do aposento, Hayden disse: — Bem, vou descansar por aqui mesmo. — disse tirando a bota e os apetrechos e deitando numa cama curta e estreita. — Me acordem quando for a hora de... vocês sabem.
— Não vai velar ou se despedir de Maven, quer dizer do velho mago? — espantou-se Harley.
— Morreu acabou. Ele não está mais aqui. E não vai me ver se despedindo. Não vou ficar falando com... mortos.
— Ao menos nos diga se o perdoou. — pediu Kay'Lee.
— De quê isso importa agora? Ele ja morreu. Morreu em paz e blá, blá, blá. Ótimo. — todos o encaravam esperando algo mais, vencido Hayden assumiu: — Tudo bem. Tudo bem. Eu perdôo o velho mago pelo que fez conosco. Agora boa noite. — disse embrulhando-se nos grossos tecidos.
O restante do grupo acomodou-se em cadeiras e camas aguardando a noite fria, que se abatera em pleno solstício de verão, passar.
Apenas Dêm não se deixou arrebatar por pequenos cochilos durante a noite toda. Os demais, sobretudo Kay'Lee, cochilaram diversas vezes rendidos pelo cansaço.
A noite finalmente teve fim. O dia amanheceu com céu limpo e azul. Um sol típico de verão foi capaz de vencer o ar gélido e mudar a paisagem de neve para gramados verdejantes.
O rei acordou com terríveis sensações devido a bebedeira.
Convocou seus convidados para o desjejum no qual engoliu um jarro de água e pouco comeu.
Todos com excessão de Hayden apresentavam olhos fundos e exaustos. Também não tinham muito apetite. — Maj... Harold. Após o desjejum iniciaremos o ritual. — declarou Stok.
— Está certo. Me digam, como desejam que seja o ritual funerário do homem. Irei mandar que preparem tudo.
— Bem, maj... Harold. Não lembramos muito bem ainda dos costumes e ele não nos contou seu desejo... então gostaria que decidissemos após trazer nossa memória de volta. — declarou Stok.
— Não faz mal. Então após o desjejum iremos todos lá. — determinou o rei falando de seu irmão, seu filho e sua mulher.
— Sim majestade. — assentiu Stok sem mais conseguir evitar a formalidade no tratamento ao rei, frente a sua esposa e a seu irmão general.
Após a refeição o rei ordenou aos servos que trouxessem o corpo do velho.
Todos aguardavam num salão amplo dedicado aos deuses e que ficava no castelo mesmo. Os servos logo trouxeram a prancha cerimonial e o corpo do velho vestido em tecidos brancos, apenas a máscara cinzenta permanecia em seu rosto.
Todos mantinham distância respeitosa, apenas os rapazes e o rei se a chegaram Junto ao corpo.
A pele do velho, onde estava visível, aparentava estar cada vez mais envelhecida e enrugada. Em alguns pontos estava rachada e ferida, onde não estava antes.
— Creio que seu corpo esteja se deteriorando rápido. Provavelmente devido a seus pactos negros e malditos. —  disse Harley apenas para Stok ouvir.
— Devemos iniciar logo isto. — assentiu Stok. — Estão prontos? — perguntou em alto e bom som?
— Sim! — responderam em uníssono os três.
— Stok acenou positivamente ao rei, que devolveu o gesto apoiando a enorme mão sobre a máscara.
Todos mantinham a atenção sobre o rosto mascarado.
Lentamente o rei cortou a fita que prendia a máscara e começou a retirá-la. Revelando um rosto magro e ossudo, com um leve esgar, dando um ar mais sorridente e pacífico, mas levemente sádico; dependendo do julgamento de quem observava.
Ao retirar por completo a máscara foi possível ver um estigma na testa do velho. Uma marca estranha certamente na língua negra dos magos negros. Feita com cortes e queimaduras que se mantinham recentes.
Ao fitarem o símbolo, os quatro garotos sentiram-se penetrando nos sinais formados pelo estigma. Quando se deram conta já não estavam mais ali, de pé, vendo um corpo. Não estavam mais juntos, não estavam mais longe de casa, nem se lembravam disso. Estavam em casa. Cada um em seu lar.
No salão dos deuses em Ulfghard, o rei observava com espanto os quatro garotos se retorcendo no chão. Mal viram o rosto do velho e caíram enlouquecidos como lunáticos, seus corpos se debatendo como peixes fora d'água.
O rei se abaixou para examinar Stok e levantando suas pálpebras viu olhos completamente brancos.
Dêm, igualmente ao rei, verificou um por um seus amigos e constatou.
— Estão em transe. Devemos acomoda-los e evitar que se firam ou se machuquem. Só nos resta esperar que acordem.
— Homens! — convocou o rei. — segurem-nos e amarrem-nos em camas fortes. Evitando que se machuquem.
Rapidamente homens vieram e cumpriram a ordem. Dêm foi com eles e se manteve observando os amigos com apreensão, porém com esperança de que logo despertassem.
Guardas permaneceram vigiando o corpo de Aldebaran. Haveria a cerimônia apenas quando os garotos despertassem. Dêm só desejava que isto fosse o mais rápido possível.
Os corpos de seus jovens amigos permaneciam presos com cordas aos leitos dum quarto mais acima, na ala dos militares.
Permaneciam se debatendo, delirando e ofegantes. Seus corpos soavam excessivamente com os frenéticos movimentos impulsionados pela convulsão.
Dêm tinha certeza que estavam bem, mas era estranho e causava temor vê-los todos naquele estado.
Pedia aos deuses antigos que aquilo passasse depressa.
Queria-os cheios de vida como sempre.
Em alguns momentos tentava acorda-los chamando seus nomes e os balançando, procurando não ser muito brusco.
Em suas mentes, cada um deles relembrava sua história de alguma maneira.

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