GRANDE FÚRIA

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GRANDE FÚRIA
   

       — Divina Imperatriz — diz um fidalgo servidor de Kitrina curvando-se ante ela, sua deusa e Imperatriz — há uma terrível informação que me vejo na triste obrigação de lhe informar.

        — Diga logo! — ordenou.

        — Seu último jovem, aquele misterioso e impetuoso. Hayden.

        — O que tem ele? Morreu? Eu arranco o coração daquele médico pela garganta.

         — Não minha deusa — dizia nervosa e apressadamente —, ele sumiu. Alguém o resgatou, porque...

        — O que?! — exaltou-se ela, indo depressa para o local do cárcere de Hayden.

        Atrás dela foram seus dois guardas mais capazes, Cerberus e Serpe, com lanças nas mãos e máscaras assustadoras nas faces; capitão Jasper, e o nobre servidor lambe botas, Fabian Srak. Em poucos instantes estavam no corredor dos quartos de Hayden e de Sindrael.

        — Não! Não! Não! Não! Não! Não! NÃO! — Kitrina ficou enlouquecida ao confirmar a fuga de Hayden. 

        Desesperados, ambos os meninos guardas que vigiavam Hayden e Sindrael se jogaram aos pés de sua deusa implorando perdão por suas falhas. Ali, Kitrina compreendeu que sua refém também havia escapado de suas mãos.

        — GUARDAS! — bradou transtornada, fazendo aqueles que a ouviram tremer, as velas se apagarem  e as tochas do corredor tremeluzirem, minguar e se ascenderem com ainda mais intensidade. — Ordenem ao exército que cace os dois a qualquer custo. Nem que precise queimar toda capital. Eles não podem ter ido longe. Façam uma varredura completa no palácio e em todo castelo. Eu ordeno que os encontrem.

        Kitrina se abaixou para afagar a cabeça dos dois guardas que ainda imploravam por seu perdão. — Vocês foram meninos maus. Sinto muito. Ergam-se!

         Ambos obedeceram. E cabisbaixos puseram-se de pé.

        — Saquem suas armas — ordenou calmamente afastando-se deles. As tochas diminuíram seu brilho amarelão, tornando-se alaranjadas novamente.

        Eles não tinham o dom da fala para insistir ou implorar verbalmente, então nada restou a eles a não ser obedecer, ambos tomaram nas mãos suas espadas, que foram entregues a eles por Cerberus, e aguardaram aflitos pelo que já imaginavam, mas não queriam que fosse verdade. 

        Kitrina tomou sua espada nas mãos, entregue a ela por Serpe, sua capitã da guarda. Moveu a arma com perícia estonteante, girando, manobrando testando peso, comprimento e agilidade com habilidade invejável aos maiores espadachins já nascidos.

        — Ataquem! — ela gritou a ordem. Pois sabia que exitariam. Ainda assim, não se moveram.

        Kitrina ficou ainda mais furiosa. Odiava ser desobedecida em qualquer circunstância, mas uma recusa aberta a um combate, a desobediência a uma ordem direta de ataque era algo que não estava habituada e odiou ainda mais. Sem ter o prazer de ser atacada, Kitrina decidiu obriga-los a duelar. Pegou uma lança de um guarda e atirou em um deles, debilmente, apenas para arrancar deles a esperança de não haver luta. Com isso o mais alto esquivou com alguma facilidade. Se atacasse para matar, provavelmente ela obteria sucesso, visto que sua habilidade com as mais variadas armas era temível, mas quando caçava Tigres Honörianos (animais sagrados para a antiga dinastia) era letal com a lança.

        Após deixar ambos sobressaltados, de coração apressado e alertas, Kitrina caminhou em direção a eles de forma ameaçadora girando sua espada em desafio. Ela iniciou o combate propriamente dito brandindo sua espada num ataque horizontal sem ímpeto e facilmente defensável, porém firme. Com dificuldade o guerreiro mascarado bloqueou o duro e pesado golpe. O segundo, vendo que não teria outra escolha a não ser lutar contra sua deusa para sobreviver, e, sobretudo, lembrando-se de ocasiões semelhantes em que teve companheiros​ eviscerados ou decapitados, decidiu lutar pela tênue condição de sobrevivência que chamava vida. Mesmo que fosse totalmente desprovida de descanso, liberdade, amor, carinho, esperança ou prazeres; coisas que nunca conhecera, ainda assim, era uma vida. As sopas e caldos de carne e tendões cozidos até dissolver, com farinhas e condimentos eram as únicas possibilidades, mas tinham um sabor bom. Respirar o ar puro dos bosques, ainda que raramente, era bom; tirar a máscara em segredo e sentir  a garoa fria no rosto após um dia quente, era bom; tirar a máscara e a armadura de vez em quando e tomar um banho frio e refrescante, era muito bom. E, já que era preciso lutar contra sua deusa para viver, o faria. E o fez. Uma fração de segundo após o choque da espada de Kitrina contra a lâmina do primeiro garoto, o segundo atacou-a, movendo a arma da direita para a esquerda, contra seu flanco desarmado.

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