UM PEQUENO ESCRAVO

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UM PEQUENO ESCRAVO


        A escuridão era plena e eterna nas profundezas nefastas daquela fortaleza milenar. O tempo todo ouviam barulhos persistentes de criaturas das trevas, às vezes roedores, as vezes mosquitos e às vezes sons não identificados. Stok suspeitava que fossem cobras. E vez e outra lá de cima jogavam dejetos e águas fétidas que jorravam pela passagem escorregadia e inclinada rumo aos esgotos por onde passaram.

        Stok e Harley avançavam cautelosamente a espionagem do local. Stok já havia chegado até a porta do hall, mas todas as vezes haviam pessoas ali, e não pôde abrir a porta até então.

        Ali, onde as trevas eram eternas não havia noção alguma de tempo, dia ou noite. De qualquer maneira já haviam dormido duas vezes cada, revezando sempre na vigia. Do alimento que trouxeram da casa de Felden, já haviam comido seis refeições à luz de uma lâmpada que já estava ficando sem óleo. Tudo que conseguiram espiar foram alguns esqueletos antiqüíssimos, ossos presos a ferros nas paredes em celas esquecidas, e, das quais os senhores do castelo nem se deram ao trabalho de mandar remover os mortos.

        Como anunciara Felden, ali não era mais um castelo onde leis civilizadas se aplicavam. Tortura morte e escravidão eram os únicos caminhos para foras da lei. Mas Stok e Harley sabiam em suas mentes que para espiões ou traidores, destinos piores que a morte eram certos. Mas estavam ali por Hayden, pela princesa, pelo general Handrel, pela união dos reinos da profecia e pelo povo sofrido e escravizado.

        Felden havia contado um pouco sobre o sofrimento extremo daquele povo sem direitos. Em Tenébria a maioria era escravo com pouca expectativa de vida, sem alento algum, a ração que recebiam era no mínimo intragável. E, mesmo os homens livres não tinham acesso a muita coisa, além de trabalhos penosos, alimentos a preços abusivos, impostos insuportáveis, saqueadores e humilhação dos soldados. Fora das muralhas reais imperava em geral a espada e os bandos de salteadores. A maior tendência dos homens livres e pobres era se tornar escravos, e dos escravos, morrer.

        — Não podemos protelar por muito tempo o contato com algum escravo — afirmou Harley.

        — Sim. A comida não vai durar mais de dois dias.

        — Estou dizendo, confie em mim. O melhor é eu acessar o castelo disfarçado — insistiu Harley uma vez mais. — Se surgir um imprevisto me viro com magia, as ervas já fizeram efeito por completo. Estou com a mana totalmente recuperada.

        — Não, Harley, estou dizendo, é muito perigoso. Ainda não vimos esses pobres fantoches de Kitrina. Não sabemos nada sobre eles. Como você saberá se passar por um? Além do mais, se algo como uma magia for vista e essa conversa se espalhar, a segurança aqui dentro se multiplicará e seremos pegos.

        — Está certo — reconheceu. — Antes precisamos encontrar um esconderijo mais próximo para espionar de perto.

        Stok anuiu com uma sugestão de sorriso no olhar. Ele percorreu em sua mente a escada quebrada; o corredor íngreme, a câmara do hall subterrâneo; os sete portões de acesso; a passagem correta, que era a terceira porta da esquerda para a direita, cuja saída dava na sala do trono, após percorrer alguns metros de um corredor sinuoso, subir uma escada em caracol e finalmente acessar a porta da sala do trono, onde era preciso percorrer doze metros de espaço aberto e sem cobertura, sob provável vigilância constante, isto para chegar à porta mais próxima, à esquerda do trono serpente e à direita da porta que sairiam. Entrando ali, teriam acesso a maioria dos cômodos domésticos, inclusive ao aposento mais vigiado, onde achavam provável encontrar Hayden: o dormitório imperial.

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