FACE DAS TREVAS

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FACE DAS TREVAS


        Stok esperava a morte quando surgisse na borda do poço sem a prova que Kitrina exigiu. Mesmo tendo muito a contar do perigo que correu, ao se tornar uma caça cercada por dezenas de monstros aterradores, habitantes das profundezas misteriosas e hediondas do mundo.

        Em outros momentos da subida pensava que aquele ser que escapou das chamas já devia ter também escapado do poço, e estar à solta no reino causando estragos imprevisíveis, a não ser que Harley por acaso se deparasse com ele e o detivesse com seus poderes mágicos, afinal, foi graças a Runa de Harley que Stok conseguiu sobreviver ao ataque dos seres. Foi exatamente nesse momento que um sentido dentro dele o fez olhar para o alto e ele viu um ponto rutilante crescendo na escuridão, e só quando estava perto demais soube que era uma tocha vindo em sua direção. Ele se agarrou a escada e enfiou a cabeça numa brecha entre dois degraus, mas gemeu e murmurou longamente de dor quando pau e ferro golpearam o lado direito de suas costas, deixando-as pulsando de dor e retirando dele todas as suas forças, sobretudo do braço direito. Mas não podia esperar as dores diminuírem, pois a tocha também deixou seu manto em chamas, e até queimou parte de seus cabelos, que já mantinha compridos.

        Passando por cima da dor excruciante ele arrancou seu manto e, quase se desequilibrando, jogou-o em chamas para o buraco sem fundo. Se apoiou o mais confortavelmente na escada, deixando o braço direito caído frouxo e quase imóvel, e se apoiando com o esquerdo preso como uma volta num pescoço, em torno da corda larga. Então aguardou um bom tempo imóvel, e quase sem conseguir respirar, até as dores lancinantes diminuírem. Demorou, mas diminuiu um pouco após um tempo, e já sentia-se capaz de galgar os degraus um a um, fazendo força com as pernas e se segurando com o braço esquerdo, as costeletas direitas e o ombro, assim como o braço, estavam dormentes, impossíveis de mover.

        Stok sentia que estava prestes a alcançar a saída do poço gigante, embora não visse os pequenos pontos de luz das tochas lá encima, apenas trevas. Quando menos esperava, viu pequenas cintilações alaranjadas rebrilhando no teto cavernoso, úmido e abobadado da câmara que abrigava o poço. Sabia que estava a menos de cinquenta metros da saída. Parou, respirou fundo e recuperando a coragem, olhou para a treva plena cinco degraus abaixo de seus pés, onde a luz da lâmpada não alcançava, e se encorajou a retomar a subida, degrau por degrau, mão ante mão, pé ante pé e estava livre. Saiu do interior e se esparramou gelado e exausto de bruços no chão, posição que as costas menos doíam e o mais afastando que suas forças o permitiram chegar da borda.

        Olhando para o lado esquerdo, direção em que sua cabeça estava e que seria difícil mudar agora, constatou a completa solidão em que permanecia. Algumas tochas apagadas estava ao chão, e as fixas das paredes estavam avermelhadas e débeis, quase mortas. Não havia ninguém trabalhando, guardando ou conversando, mas viu alguns ao forçar a visão, caídos ao chão. Teve certeza que o pior ocorrera, e que agora o ser estabelecido a solta. Pensou primeiro em Harley, depois em Hayden.  Depois desejou que o monstro devorasse Kitrina.

        Aguardou inerte e incapaz de se mover, até que as tochas minguaram e morreram. Tentou se erguer, não era capaz. Aguardou mais. Quando sentiu-se capaz, apoiou-se na testa e no braço esquerdo e se pois de pé. Foi até uma tocha caída, acendeu-a na lâmpada que retirou do elmo, e analisou os corpos a sua volta. Eram antes guardas e feitores musculosos, agora apenas esqueletos revestidos de pele ressecada. Um ainda mantinha um machado na mão. Stok o pegou e lembrou-se da corda, que poderia permitir​ que outros subissem, com a mão meio hábil desferiu cinco golpes até partir uma corda e três do outro lado. Aprendia rápido.

        Aturdido, caminhou bamboleante e curvado de dor rumo a câmara de treinos, e ali constatou muito mais corpos caídos, todos na mesma condição, uns mais outros menos esqueléticos.

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