VISLUMBRE

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VISLUMBRE


Stok despertou de olhos arregalados e coração palpitante em seu posto no leme, estava quase congelado. A fraqueza de seu corpo era extrema. Há dias não se alimentava bem, não sentia sua mãos, estavam azuladas e imóveis, seu pulmão estava frio e dolorido e sua mente funcionava muito mal. Desejava levantar-se e ir até o aposento onde todos seus companheiros aguardavam a morte por inanição, mas há muito suas forças o haviam abandonado. Já não conseguia mover um dedo das mãos, estavam grudadas ao leme pelo gelo; nem os pés, congelados dentro das botas.

Stok lutava para manter-se desperto, era atraído pelo poderoso sono que o tragava devolta para um lago calmo, prazeroso, morno e aconchegante; como nunca havia imaginado. Stok sabia que se assentisse novamente e cedesse ao sono, seria a última vez. Então determinou que não cederia facilmente.

Com o mínimo de forças que lhe restava, sua mente viajou por memórias distantes, memórias de criança, de sua terra natal, de seus velhos amigos; que pareciam memórias de outra vida. Viajou por fim para as memórias mais recentes, da fé de Kay'Lee de que daria tudo certo. Tudo certo uma ova! Esbravejou mentalmente. Nosso fim será sem glória ou honra. Mortos de fome, sede e frio.

Não! Pareceu ouvir uma voz falar em sua mente. Resista!

Stok forçou as pálpebras a se abrirem, sua visão estava embaçada, mas pode ver algo na linha do horizonte. Sentiu seu coração fraco acelerar em seu peito. O ar pareceu fugir de seus pulmões e a névoa que expeliu pela boca bloqueou a sua visão. Ainda assim, sugou o ar gelado para inflar os pulmões. Tinha um forte desejo de vive. Assoviou com toda força que lhe restava. Lábios ressecados e sem vida se mostraram inúteis. Estava a cada instante mais ofegante e desesperado. Que barco seria aquele? Tentou mais uma, duas, três vezes. Não havia como assoviar. Tentou gritar, liberou um som rouco e fraco como chiado de gato. Tentou molhar os lábios... a própria língua estava seca. Mas desistir não era opção, tentou respirar freneticamente para fazer derreter um pouco o gelo que se formava em suas narinas. Gotas gélidas escorreram para sua boca, moveu o tronco custosamente para soprar a mão e tentar se livrar do gelo. Conseguiu. Tirou a luva e chupou o próprio dedo se livrando dos cristais de gelo. Usando dois dedos quase sem tato, se esforçou absurdamente para a última tentativa de assoviar que julgava possível.

Um som agudo e alto ressoou sobre a superfície do mar, alcançando instantaneamente os tripulantes da embarcação distante. Stok ficou sem força alguma, mas manteve-se atento para ver uma tênue mudança do barco no horizonte. Então desmaiou.


☸ ☠ ☸ ☠ ☸

Stok despertou num aposento cálido e reconfortante, era a antiga cabine do capitão Jasper. Observando ao redor com dificuldade, devido à luz das chamas da lareira que queimavam sua retina, ele viu Harley e Kay'Lee sorrindo para ele. Reparou que estava preso por cordas e grilhões nos pés e mãos. Olhando para outra direção, viu rostos duros, cobertos de grossas peles, de pé e bem armados.

- Você é durão garoto! - disse evidenciando o sotaque até então desconhecido. Esbanjava um sorriso de lado, barba curta e cabelos bem aparados. De boa aparência.

Você não conhece meu primo. Pensou Stok.

- Sou Willen, vamos levar o seu barco para Learns Porto em Lenöria, jovem capitão, lá explicarão ao juiz local o que vieram fazer em águas Lenörianas.

- Muito obrigado, senhor - disse Stok forçando as pálpebras e meneando sutilmente a cabeça - Vocês salvaram nossas vidas.

- Os deuses os salvaram, não sei como, um assovio de morte chegou aos nossos ouvidos, então retornamos para averiguar. Encontramos esse navio a deriva. Sem ninguém além de um capitão congelado em seu posto. Abordamos a embarcação, vocês estavam quase mortos, e três dos que vocês dizem ser prisioneiros, morreram.

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