AMÁVEL RAINHA

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AMÁVEL RAINHA

        Hayden estava há dias trancado nas masmorras, sem ver absolutamente ninguém, sem um fagulha de luz e em total silêncio. Desde o dia que teve o corpo tomado pela última vez por Kitrina através de uma magia obscura, numa atitude que jamais pensou ser possível, estava ali, esquecido numa cela fria, escura e repleta de ratos famintos, ao menos seus sons e passeios eram constantes, e a fome deles os deixava insistentes em roê-lo vivo. Também não recebeu praticamente nada de comida ou água, e ou ar era sufocante e nauseabundo.

        No início estava tomado de ódio e desejo de vingança, mas este já se convertia em desesperança, tristeza e melancolia. Não tinha medo da morte ou de ser torturado, tinha medo apenas de morrer sem honra ou sem ser vingado e lembrado com saudade. O sono estava constantemente o importunando, mas na menor pestanejadada ratos cercavam a carne fria de seu corpo fraco e repuxavam sua pele com presas de roedor e garras velozes. Hayden julgava ter matado algumas duzias, dando tapas irado e irritado de sono e fome. Mas agora estava fraco e lento. E o sono era tanto que já não reagia aos primeiros beliscões dos roedores. Além disso, o sono era tão convidativo que não queria mais resistir. Mesmo se fosse totalmente devorado, parecia valer apena se significasse matar o maldito sono. Ele apagou inconsciente. Despertou com um maldito beliscando sua perna queimada. Obviamente não era a dor que o incomodava, mas a repulsa e desejo de viver e se vingar.

        Tenho de fazer algo. Não posso ser tolo de morrer gratuitamente. Tenho de tentar enganar a maldita, matá-la, e depois tudo acaba. Pois com certeza seus guardas me matarão. De qualquer forma terá valido a pena. Minha missão acaba aqui, não tem outra maneira.

        Ele não tinha noção alguma se era dia ou noite. Seguiu por uma eternidade, piscando e resistindo, apagando e despertando para se mover cada vez mais debilmente, e os ratos já não o temiam mesmo acordado.

         A porta da prisão se abriu com um rangido de madeira e dobradiças enferrujadas. Um archote lançava luz tão forte para os olhos desacostumados de Hayden que ele enxergava apenas uma mancha luminosa ofuscante e alaranjada. Quem entrou foi a própria rainha. Ela estava de pé e desarmada, como das demais vezes que se falaram.

         — Olá, belo soldado — a voz era doce e o fogo do archote convidativo, quente e desejável. — Pensou bem em minha proposta? Vai morrer apodrecendo nesta cela ou prefere estar a meu lado, comer do bom e do melhor, compartilhar a minha cama e saber meus segredos? 

        Essa mulher só pode ser louca. Mas louca ou não, é uma desgraçada. E vai pagar. — Eu aceito. Aceito sua proposta — disse se esforçando para ficar de joelhos. A voz, como seu estado, era débil e fraca. — O que tenho de fazer para provar minha lealdade a ti, minha grandiosa rainha?

        — Por enquanto, apenas venha comigo. Mostre-me o quanto é forte.

        Ela parou à porta, aguardando o fraco e faminto rapaz se erguer com grande esforço, caminhar cambaleante, e, apoiado às úmidas paredes segui-la com grande esforço pelos corredores profundos do ancestral castelo. Ao passar pela porta da cela, com olhos mais adaptados, além de estar de costas para os archotes, Hayden viu os dois guardas assustadores que seguiam-nos silenciosamente. Vestiam negro e usavam uma máscara aterrorizante com forma de caveira. Eram magros e baixos, mas se moviam com firmeza e disciplina férrea.

        — Ajudem-no — disse a Rainha sem olhar para trás.

        Eles rapidamente obedeceram, pegando Hayden pelos braços, auxiliando-o a caminhar. Tinham braços fortes e o mantinham firme enquanto andavam, embora fossem da altura de seu cotovelo, Hayden ia com as pernas quase dobradas, mais arrastado que andando. Seu corpo estava gelado e fraco. Os dias sem comida e deitado no chão frio e úmido, levaram todo seu vigor. Eles foram até uma sala de banho. Ali estava uma banheira de madeira com água já aquecida e frutas frescas numa cesta. Ela sabia que eu aceitaria... Ou será que foi uma simples aposta? Melhor tomar o máximo de cuidado, será possível que ela lê mentes? Quando tiver uma boa chance eu mato essa tirana. Será que os meninos conseguiram chegar a Lenöria? Tomara que estejam bem. Já sinto falta daqueles... Grandes amigos. Estava confuso, desorientado e sua mente era um turbilhão de pensamentos, não só agora, durante o tempo sem fim da prisão pensava em cada pessoa que amou e ainda amava neste mundo. A primeira era sua mãe, Villinar, sem dúvida, mas os garotos já dividiam a segunda posição com seu pai, pois mesmo estando brigado e desconfiado do pai, e mesmo nunca tendo recebido dele o afeto e ternura que sonhou um dia, o amava. E desejava que ele soubesse tudo que seu filho fora capaz de suportar e superar para lhe ver novamente, ajudar milhares de pessoas e receber dele uma mera aprovação.

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