DÊM RETORNA A CRATERA

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DÊM RETORNA
A CRATERA


        Dêm, o eterno cabal da cratera, que fôra o predestinado a ver seu povo livre da maldição da serpente após gerações, finalmente se recuperou do terrível ferimento que deixaria qualquer um para sempre impossibilitado de andar novamente, mas ele não. Graças a intervenção sagrada e altruísta de seu companheiro e amigo, Kay'Lee.

        Três luas se passaram desde que eles partiram de Usdror, deixando Dêm naquele reino distante, distinto do seu, e, ainda por cima, preso numa cama. Os feitos corajosos daquele que, aos olhos usdrorianos, era um  bárbaro, não foram esquecidos. Assim, fora bem tratado, alimentado e teve todos os dias servos a seus dispôr, embora raramente os convocasse.

        Seguiu à risca os conselhos de seu médico, pois conhecia suas habilidades e sabedorias de cura. E desejava poder retornar com as próprias pernas a seu povo, e lutar novamente ao lado daqueles meninos inspiradores e honoráveis.

        Agora o momento do primeiro feito chegara. Há dias Dêm seguia viagem num navio usdroriano que o levaria, conforme combinado, por uma rota reaberta. Passando ao leste de Aragor e lá deixando alguns viajantes, seguiram para o sul e contornaram sua costa, rotas há muito não usadas, devido a perda de inúmeros navios que para lá ousaram ir, todos atacados e capturados por Kitrina, que tinha ilhas em seu poder e terras costeiras em Aragor, no grande deserto a leste de Thorin e ao norte e noroeste, dentro dos territórios de Thorin. Mas agora, a notícia da convocação de Kitrina a todos os seus guerreiros era conhecida.

        De Aragor chegaram corvos dando notícias temíveis a Usdror e aos demais reinos dá aliança. Lenöria partia para guerrear com Tenébria, pois a ameaça de invasão de Kitrina já não era velada, era uma questão de tempo. Assim sendo, Rei Slaesh pedia reforços para enfrentar este mal ameaçador à aliança dos seis reinos. Pois se a união dos seis reinos era necessária para a grande guerra das profecias, derrotar Kitrina era um passo para unir o último, mais vasto e populoso reino conhecido.

        Rei Vandrus não poupou detalhes, e narrou cada aspecto da carta do próprio Slaesh. Citando o apoio de vinte lordes que mantinham os ideais honorianos, os garotos, o fato do lendário Sor Ayvak estar vivo, e a existência de um rei por direito, um jovem guerreiro com o sangue dos unificadores, o que certamente acenderia a esperança do povo honoriano que não via esperanças.

        Depois navegou pelo estreito de Aragon'Snart, no extremo sul de Aragor e ancorou no porto recém nomeado de Aliador, pois era uma ligação rápida entre Thorin, Aragor e Usdror, zarpando do porto Ponta-Sul em Usdror e navegando o mar do meio até o mar de Malagan. Também era próximo das torres simples.de madeira e portos improvisados na costa oeste do mar de Malagan, todos abandonados pelos tenebrianos, e ao leste do grande rio. Agora ali cavalos sempre descansados levariam mensageiros em poucos dias até Ulfgard. Também haviam ao longo do rio e da costa várias vilas crescentes que se abriram e se aliavam aos reinos, agora em paz e receptivos ao comércio.

       Foi ali, no porto Aliador que Dêm desembarcou, ao oeste de grandes cordilheiras. Recebeu um belo cavalo, então cavalgou sorrindo, sem conseguir se conter, rumo a sua família, adeus povo, a sua terra livre, sagrada e saudosa. Seu coração galopava no rítmo do alazão. Sua mente desenhava o rosto acobreado de sua amada, seus olhos âmbar amendoados, sua pele lisa de perfume adocicado e seus cabelos longos e cheiros. Seus pequenos filhos, que imaginava maiores e ainda mais curiosos alegres e cheios de saúde.

        Ainda no planalto oeste da cratera gigante, Dêm encontrou, no fim da tarde, um de seus grandes guerreiros acampado. Ao ver seu líder Supremo e heróico, seu amigo duro e austero com rosto, fragilizado, olhos úmidos e semblante sempre austero agora distorcido num choro de quem passou pela morte para rever seus amados, o soldado, um pouco menos duro que seu senhor, chorou. Chorou, mas não o choro amargo dos terríveis rituais de sacrifício de irmãos à serpente. Um choro de um homem liberto, que retornava para um povo liberto repleto de histórias para contar e com um novo e potentoso desafio a lançar a sua gente brava e experimentada. Ali, numa tenda sob as árvores, Dêm partilhou com seu soldado os mantimentos que trazia de Aragor, onde o navio se reabasteceu por último antes do desembarque final. Seu companheiro retribuiu o pão duro e jamais a respeito visto com uma deliciosa sopa galinha d'água. Eles muito conversaram. Dêm sentiu uma grande alegria em conversar com alguém em sua língua nativa, pareceu a ele os cantos mais belos, ainda melhores que as músicas e instrumentos tocados nos salões e jardins de Usdror. Depois dormiu o sono agitado da véspera da matança da saudade.

        Na aurora seguinte, bem cedo, Dêm abraçou seu companheiro, deixou ali amarrado seu alazão, sob a guarda dele, ordenando, como cabal que era, que ele cuidasse bem daquele tesouro, pois seria devolvido a seu proprietário​.

         Shandremheart, seu guerreiro, guiou Dêm até um ponto adequado para facilitar a entrada e saída da cratera, então o Cabal iniciou a descida das encostas um tanto íngrimes que levavam a seu lar. Diversos suportes haviam sido instalados para facilitar essa empreita. Longas cordas presas as árvores, escadas de bambu e corda e outros suportes.

        Conforme descia Dêm arrancava suas vestes de Usdror, preparando-se para surpreender seu povo mostrando que estava de volta, contra muitas espectativas.

        Quando os primeiros súditos o viram, iniciaram uma sequência de joelhos se dobrando frente ao grande herói retornado.

        Lágrimas caudalosas jorraram de seu rosto quando divisou sua linda esposa correndo com as mãos dadas aos filhos, eles choravam e riam ao rever o pai que há dias longos e sem fim partira sem previsão ou certeza de voltar.

        Aquele dia e mais três foram de grandes festas e histórias e música e alegria. Mas ao quarto dia sua esposa devolveu formalmente a liderança​ a seu esposo. Então, não tardou para Dêm declarar a dureza que o futuro reservava. Declarou a seu povo que todo homem mulher e criança capaz de caminhar deveria preparar todos seus pertences para partir do vale que sempre fora seu lar, mas que agora seria morada apenas dos velhos, dos resignados e daqueles que não desejassem viver. Pois quem desejasse lutar pela vida deveria partir em grandes canoas para um reino distante, porém pacífico e receberiam terras florestais para habitar e chamar de suas em Usdror.

        Nenhuma alma cogitou se afastar de seu senhor, peregrino de longas terras, sobrevivente de outro mundo, caçador de monstros sem nome, amigo de reis misteriosos. Tudo foi organizado usado para partida na próxima lua cheia. Quando muitos navios rumariam de Thorin para Usdror, levando os cerca de sete mil súditos de Dêm. Em poucos dias partiriam para outro país, para outro reino, para outro destino.

       

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