Não era a vida que ele queria

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"...Mas e se quem você ama morre? Você vai viver sabendo que nada mais poderá ser feito. Nenhuma palavra mais será dita. Você perdeu a pessoa.__ Matheus Bogo"

Maju on

 Deveria ser uma hora da manhã quando o meu celular tocou, a escuridão do meu quarto tornava tudo mais difícil, eu não sabia onde meu celular estava, lembro-me de tê-lo deixado na cama ontem a noite logo após falar com o meu pai, o celular tocou mais uma vez enquanto eu vasculhava o colchão com a mão, já estava no quinto toque quando eu finalmente o encontrei, o barulho do outro lado ganhou vida, eu não sabia quem era, porém desconfiava de quem poderia ser.
__Alo.__Digo me aconchegando na cama, eu ainda estava sonolenta, e odiava quem quer fosse por ter me acordado de madrugada.
__Ei cunhadinha, eu te acordei.__ A voz de Vitor demonstrava um leve tão de preocupação, mas eu sabia que não era por ter me acordado, ele vivia fazendo isso, me ligava praticamente toda madrugada só pra me acordar com uma desculpa diferente, não se importando que eu xingasse ele durante todo o dia.
__Já estou acostumada com você fazendo isso.__Digo olhando pros números vermelhos do relógio que fica no criado mudo, era realmente cedo.
__É eu sei.__ Ele diz com uma risada seca, havia algo de errado com ele, dessa vez Vitor não estava me acordando pra dizer que havia esquecido de me desejar uma boa noite, ou pra me avisar que eu deveria espera-lo na entrada do condomínio pra irmos pra escola, dessa vez ele havia me acordado pra falar de algo serio como ele fez na manhã seguinte ao acidente.
__Esta tudo bem com você?__ Pergunto meu coração indo a uma frequência que deveria ser proibida pelos cardiologistas, as memorias daquela triste manhã estavam querendo tomar conta dos meus pensamentos.__ Você esta me assustando Vitor.
  Ele não disse nada, apenas soltou um suspiro triste e cansado, eu sabia mesmo sem vê-lo que ele estava sofrendo, e que aonde quer que ele esteja não estava nada bem. Esperei que ele continuasse, enquanto minha mente criava mil diálogos diferentes, cada possibilidade me assustava ainda mais. Vitor continuava quieto, eu desejava saber onde ele estava, com quem estava e o que estava fazendo.
__Desculpas.__ Ele disse, o tom era amargo e frio, demonstrando como ele deveria estar se sentindo, eu sabia porém que não era pra mim, era pra um outro alguém, a voz dele estava um pouco arrastada o que me levava a crer que ele havia bebido antes de me telefonar.
__Ei Vitor aonde você está? Com quem está falando?__ Eu estava me esforçando para me manter calma, era ele quem precisava de mim agora, e não eu dele, Vitor precisava de alguém que segurasse o seu mundo como ele havia segurado o meu.
__Eu estou no cemitério Maju.__ A voz dele era vazia, e meu coração se apertou, eu fiz as contas mentalmente, o fuso horário do Brasil pra Nova York eram de cinco horas, o que significava que deveria ser seis horas da manhã por lá.
__No cemitério!?!__ Eu repeti notando o mesmo tom vazio em minha voz.__O que você esta fazendo ai Vitor?
__Eu não sei, eu extrapolei na bebida ontem a noite e vim pra cá.__ Ele admitiu parecendo perdido.
__Tem mais alguém ai com você, cadê a Bruna os...__Eu comecei a falar mas ele me interrompeu.
__Já se passaram quase dois anos maninha, quase dois anos que ele se foi, e eu ainda faço isso, ainda encho a cara todas as vezes que me lembro dele, eu tento seguir em frente, tento fazer igual a você e as meninas, igual a todo mundo que o conheceu, mas é que as vezes eu não sou tão forte assim, isso tudo é uma merda total, Felipe deveria ter sobrevivido, eu sempre tive ele na minha vida, sempre fomos os dois irmãos, os companheiros de batalha, e eu estou me sentindo como se estivesse sido abandonado sozinho no meio de uma guerra.__ Os soluços escapavam pela a sua voz, as palavras dele causando as minhas próprias lágrimas.__ Eu deveria estar com ele naquele maldito dia, deveria ter ido com vocês, mas eu não fui, eu abandonei meu irmão primeiro, tudo pra ficar mais um pouco com a Bruna, ele veio atrás de mim, me perguntou se eu não queria ir junto e eu disse não, eu disse que preferia ficar mais um pouco com a minha garota, disse a ele que nos falaríamos pela manhã, eu prometi a ele que estaria pronto quando ele chegasse em casa pra que pudéssemos buscar você e irmos pra escola juntos, Felipe só sorriu pra mim e me puxou pra um abraço apertado, e disse que me amava, e eu disse que ele estava virando uma mocinha de tão sentimental.
  Ele fez uma longa pausa, eu sabia do que ele estava falando eu assisti essa cena, enquanto conversava com a Bruna, nos duas vimos eles se despedirem mas nenhuma de nós sabíamos que era a ultima vez que eles iriam se ver, nenhuma de nós sabíamos que aquele tapa que Vitor deu na cabeça do seu irmão enquanto brincava com ele com um sorriso perfeito no rosto seria a última vez que ele faria isso. Eu queria poder falar algo, consola-lo mas eu não fiz, tinha algo impedindo que qualquer som saísse da minha garganta.
__Ele não apareceu Maju, ele não veio, eu fiquei cerca de duas horas sentado na calçada em frente a minha casa esperando por ele, liguei um milhão de vezes pro celular dele, e pra você mas ninguém atendia, eu liguei na casa dele, mas nada, eu sentia que algo estava errado, e sabia que era melhor ninguém atender as minhas ligações, era melhor eu ficar ali sozinho esperando pelo meu irmão do que receber a noticia de que eu nunca mais iria vê-lo chegar com o seu carro e buzinar um milhão de vezes, que eu nunca iria sentar no banco do passageiro novamente e fazer o percurso que sempre fazíamos, que nunca iriamos nos formar juntos, ou que ele não estaria me apoiando no altar enquanto eu esperava pela Bruna vestida de noiva, eu sabia que era melhor eu fingir que ele estava atrasado, que teve algum contratempo mas que ele iria aparecer, ele só estava atrasado, eu não atendi quando os meus pais me ligaram, não olhei pra Bruna quando ela se sentou ao meu lado, e nem me dei o trabalho de cumprimentar o Lucas e o Kayke. Eles não eram quem eu esperava, quem eu queria ver. Não eram as pessoas que me dariam a melhor noticia sobre ele, eu chorei Maju, quando Bruna me envolveu em seus braços, eu chorei igual a uma criança, ninguém havia me dito nada, mas eu sabia, sabia que não era só um atraso, eu sabia que havia acontecido algo de errado, todos sabiam o que eu não sabia, eu me desmontei quando vi a forma que Lucas e Kayke me olharam, os meus amigos estavam abalados, estavam perdidos.__ Os soluços dele aumentaram durante a confissão que ele fazia, eu sabia que quando meu cunhadinho resolvesse desabafar que quando resolvesse se abrir iria me rasgar em um milhão de partes, eu só não sabia que iria doer tanto assim, o meu choro havia acordado as meninas, elas estavam todas sentadas ao meu lado, Carol acariciava o meu cabelo, elas estavam me confortando mas não era eu quem precisava de conforto.__ Nenhum deles me disseram nada apenas se sentaram do meu lado e ficaram ali me fazendo companhia, eu quis morrer quando descobri a verdade, eu gritei com os meus pais, gritei com a Bruna e me xinguei um  milhão de vezes por não ter ido embora com ele, eu corri pra casa dele, gritei com todo o ar do meu pulmão pelo o seu nome, eu chamei ele mas ele não veio, ele não respondeu, e eu morri ali, morri quando entrei no seu quarto e não havia nenhum vestígio de que ele chegou a passar a noite ali, eu queria tanto encontra-lo, eu corri sem rumo, eu cheguei a sua casa mas ao contrário da casa dele na sua não havia ninguém.
__Vitor eu sinto muito, Deus sabe como eu sinto muito por você, mas esta tudo bem, você vai ficar bem.
__Não, eu nunca vou ficar bem, desde daquele dia eu sento na calçada e espero ele cruzar a esquina, eu espero o meu irmão, espero pelo cara que entrou em uma briga pra me defender, espero pelo cara que descia a serra só pra surfar comigo todos os fins de semanas, eu espero pelo irmão que cresceu comigo.__ Ele solta um suspiro profundo e eu olho pra direção das meninas, Larissa havia colocado o celular no alto falante, e todas elas sentiam a dor dele, agora.__ Quando eu voltei pra casa dele aquele dia, eu estava tão perdido, mas eu acreditava que era só uma mentira tinha que ser, era mais uma piada sem graça dele e de todos, mas não era, eu soube disso quando tive que atravessar o mar de pessoas que se encontrava ali, eu vi cada olhar que eles me lançaram, eu era o garoto que havia perdido o seu melhor amigo o seu irmão, mas não era isso Maju, Felipe era uma ligação que eu nunca tive com ninguém, eu amava os meus pais, amava Bruna, amava você as meninas e os meus outros amigos, eu amava a vida que levava, mas puta que pariu, nada disso tornou a dor de perde-lo mais fácil, era como se minha alma tivesse sido arrancada de mim, e eu não conseguisse alcança-la. Eu acho que estou louco por me sentir assim.
__Não Vitor você não está, eu te entendo, pra falar a verdade Felipe me fez entender, ele me disse uma vez que se perdesse você, perderia a sua alma, eu era o seu coração, o amor da sua vida, mas você era a alma dele, Felipe não estava preparado pra te deixar partir, nunca estaria, ele me disse que se você morresse, ele nunca mais seria o mesmo, nunca mais iria sorrir do mesmo jeito, e meu garoto você está se sentindo do mesmo modo, eu queria poder te ajudar dizer que vai melhorar...  E vai você só tem que focar em algo bom, Vitor você tem pessoas que te amam, que querem o seu bem, você tem a mim e eu preciso de você por favor só não desista de tentar seguir em frente e ser feliz.
__E o que acontece com ele Maju? O que acontece com o meu irmão? Porque eu estou aqui sozinho nesse cemitério parado olhando a imensa lapide cinza, estou lendo as palavras cravadas nela, o lembrete de que ele foi um bom filho, foi um ótimo amigo, um bom namorado, que ele foi um anjo, e isso está me matando mais ainda, isso tudo só serve pra lembrar que Felipe se foi, que ele não existe mais, olhando pra esse pedaço de cimento agora só confirma o que eu já sabia, o tempo passou, passou pra mim, passou pros pais dele, passou pros caras, passou pra Bruna, pras meninas e pra você, só não passou pra ele, você está ai do outro lado do mundo com as suas melhores amigas, você esta vivendo Maju, e eu não te julgo e não quero que se sinta culpada por estar fazendo isso, não é isso que eu quero, o que eu quero dizer, é que todos nós arranjamos um jeito de seguir em frente, todos nós estamos realizando cada um de nossos sonhos, caramba eu fui aceito na Universidade de Nova York, Bruna foi aceita nas melhores faculdades do mundo, Kayke e Lucas estão treinando em um time profissional, e ele ? O que ele está fazendo agora? Nada, Felipe não esta realizando nenhum de seus sonhos, você já parou pra se perguntar se era essas palavras que ele queria que fossem cravadas em sua lapide? Se essa era a vida que ele escolheu pra ter? Ele nunca quis amar você, nunca quis ser meu melhor amigo, meu irmão, foram coisas que foram impostas na vida dele, o fato de nossos pais serem melhores amigos e de crescermos juntos, e aquele encontro no supermercado, o que eu estou querendo dizer, é que Felipe era o que precisávamos pra viver, a vida que levamos com ele era a que queríamos, mas eu não consigo evitar de pensar que talvez essa não fosse a vida que ele quisesse ter vivido. Enfim olhando agora eu só vejo os sonhos deles enterrados, mortos e o fato de que nunca mais iriei vê-lo de novo, de que a vida é injusta, eu vejo uma lapide de um cara que era cheio de sonhos e de planos e que nunca vai chegar a vive-los, ele nunca viveu a vida que queria.

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