As batidas do coração de Pierre funcionavam como um relógio para mim.
3 por segundo.
180 por minuto.
Eram a prova gritante de que ele ainda estava acordado, a despeito do que Ellie ordenara. Ele estava deitado sobre um túmulo, com os olhos apertados de forma dramática, enquanto eu tentava ignorar seu cheiro. Aquele cheiro de sangue.
- Kat? - Ele perguntou depois de um tempo, arriscando abrir um olho e depois o outro.
- Sim?
- Mamãe demora?
- Não muito, Pierre. Durma como ela mandou e tudo vai ficar bem.
Eu sabia que ele estava com medo, mas não conseguia me concentrar nisso. Tudo que eu sentia era sede.
Um dos lados positivos de ser humano ou demônio (ou os dois) é que você tem todos esses sentimentos para distrair da necessidade de se nutrir.
- Kat? – Ele chamou outra vez, soando cansado, mas nervoso.
Esforcei-me para ser pelo menos condescendente. Já que na idade dele eu tinha visto coisas muito piores do que as que aconteceram naquela noite, de forma nenhuma conseguiria ser compreensiva.
- Sim, Pierre?
- De onde criaturas como nós viemos?
Precisei de um certo esforço para me lembrar que ele era meio íncubo. A sede era tanta que tudo que eu conseguia ver era seu lado humano. E na floresta, nem sinal de Ellie. Saltei para o lado de Pierre e prendi a respiração.
- Depois da criação do mundo, quando Adão ainda habitava o Jardim do Éden sozinho, Lúcifer enviou uma de suas crias, Lilith, para seduzir Adão e destruir o jardim. Deus então criou Eva, frustrando os objetivos de Lilith, que foi chamada de volta ao inferno e recebeu uma punição: Todos os dias daria a luz a 1000 filhos e filhas – íncubos e súcubos. Esses demônios cumpriram os mandamentos que Lilith não cumpriu: seduzir e destruir. Eles possuiriam humanos e copulariam com eles criando crianças que trariam as pestes. E assim nasceram bebês como você, Pierre.
- E quanto aos vampiros, Kat, de onde eles vêm? – Disse uma voz vinda da floresta.
- Da Áustria, Ellie. – respondi ironicamente.
A silhueta de Ellie, carregando um bolo de corpos amassados, finalmente aparecia à luz da lua. Pierre já ressonava. Atirei-me na direção de Ellie, mas seus olhos faiscaram, avisando para manter distância e responder a pergunta. Eu suspirei.
- Um dia, um íncubo enviado a terra possuiu um homem chamado Claudius. Ele costumava ser rei da Romênia na época em que a terra tinha um nome que eu não consigo pronunciar. Uma vez tendo possuído o íncubo, conheceu Cíntia, esposa de Claudius e se apaixonou por ela. – Nesse ponto eu fiz uma careta - Como não queria destruir sua vida, ele voltou ao inferno e pediu a Lilith para que fizesse dele humano. Sua mãe concordou, mas sendo transformado em humano ele perdia todos os direitos que tinha no inferno. Ele abandonou o hospedeiro e recebeu um corpo que correspondesse a aparência de sua alma. Ao ser desprezado por Cíntia, que sofria pela perda definitiva do marido, ele implorou aos demônios do inferno que lhe concedessem vingança. Seu pedido foi negado diversas vezes, até que resolveram fazer uma concessão. E ele foi transformado no primeiro vampiro: ganhou beleza e imortalidade, entre outros poderes, mas foi sobrepujado pelos que antes eram seus irmãos e recebeu três ordens...
- Multiplique, destrua, mantenha-se longe. – Ellie completou sorrindo e me atirou um dos corpos. Menos de 30 segundos depois ele estava atirado sobre a pilha de ossos atrás do túmulo onde eu estava.
- Não vai beber? – Perguntei olhando os outros corpos nos braços dela.
- Já bebi. – Ela pegou um dos corpos e colocou do lado de Pierre. – Essa aqui não tem muito sangue aproveitável, mas imagino que seja sua.
Enquanto Ellie se afastava e levava o outro corpo em direção à arvore, a lua iluminou o rosto pálido sobre o túmulo.
- Sophie! – Exclamei sem poder me controlar. – A Danse Macabre foi para ela.
- Foi o que eu pensei também. – Ellie disse terminando de pendurar o outro corpo na arvore. – Então eu acho que quando ela acordar vai querer deste aqui.
Quando Ellie pulou da arvore bem atrás de mim e eu vi o outro corpo, eu entendi o que tinha acontecido naquela noite.
- Alguma parte da história sobre o surgimento de vampiros que você contou é verdade? – Ellie disse, tão perto que sua respiração jogava fios do meu cabelo contra o rosto.
- Não. – Respondi devagar, pensando na dança que assustara Pierre mais cedo.
- Qual é então?
Por um minuto, o cemitério inteiro estava silencioso. Os únicos sons vinham do corpo ressonante de Pierre e da respiração lânguida de Ellie em minha nuca. Engoli em seco antes de sussurrar:
- Alguns segredos deveriam nunca ser revelados.
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As Crônicas de Kat - A História Completa
VampireConheça Katerina, uma vampira criada à força na Europa do século XIX por uma mãe bruxa desesperada em sua busca pela imortalidade e seus segredos. Kat sobreviveu por muito tempo se considerando nada além de um ser inferior do Inferno, destinada apen...