Bem-vindas ao século XX - V

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Cianne

20 de julho de 1907

Diário de Kat

Finalmente peguei essa porcaria de volta. E a pior parte é que ele jazia intocado, atirado ao porão junto com todas as outras coisas importante que trouxemos. Elas sequer leram meus registros. E eu achando que elas eram inteligentes. Que droga.

Vou pegar o caminho curto e dizer que nós, o Exército de Kat, o clã mais procurado do mundo, aquele ao qual foi confiado uma tarefa que mudará o mundo conhecido e desconhecido, pelo qual a Morte e o Inferno estão em luta constante graças a um segredo que nem nós mesmas conhecemos, somos prisioneiras de seis freiras há seis anos.

Elas nos atraíram para solo sagrado e então com um feitiço tão antigo que nem mesmo Anika conhecia, nos apagaram e nos prenderam na torre da igreja. Acordamos vestidas com hábitos, sem nossas roupas ou pertences. Havíamos sido jogadas no chão de uma sala de pedra, circular e vazia com uma janela gradeada que deixava a luz entrar, mas era alta demais para ser alcançada por qualquer uma de nós – principalmente eu.

Felizmente, estávamos todas ali, o que era o mais importante para mim. A questão é: por quê? O que aquelas bruxas psicóticas com rosto de mármore queriam de nós? Por que elas não atacavam? Esperamos a resposta por dias, semanas, meses. No início imaginávamos que elas estavam esperando o momento certo para queimar-nos em praça pública. Mas quando os três primeiros meses passaram, começamos a deixar essa ideia de lado.

Ali dentro, vimos primavera e verão passarem e o inverno se aproximar aos poucos. Não tínhamos muito para fazer ou energia a gastar, por isso a sede veio aos poucos, mas quando veio, veio de forma poderosa. Percebi quando o ano novo chegou. A cidade teve festivais de fogos por sete dias seguidos entre o Natal e primeiro de janeiro. Os dias eram entediantes e eternos. A incerteza do que aconteceria conosco fazia com que eles parecessem cada vez mais longos, uma infinidade nasceres e pores de sol picotados por sonos inquietos.

Evitávamos nos movimentar para não ficarmos fracas muito rápido. Àquela altura a sede já era insuportável e nos distraíamos imaginando como mataríamos cada uma das bruxas. O cheiro de sangue não alcançava a sala onde estávamos com tanta facilidade, mas era normal que nós nos pegássemos lembrando a sensação de ter uma veia pulsante sob os nossos dedos.

Já havia mais de um ano que estávamos ali. A cada dia eu me perguntava como suportava aquilo, como ainda estava viva. Tentava lembrar quanto tempo vampiros sobrevivam sem sangue, até me dar conta de que eu realmente não sabia a resposta.

Costumávamos conversar para nos distrair, mas quando o segundo verão ali começou mal se ouviam sussurros. Na maior parte do tempo tudo era silêncio. Mas o desejo por sangue parecia gritar em minha cabeça.

Um dia Naomi acordou determinada: Deveria haver algo que a gente pudesse fazer. Mas o quê? Já havíamos tentado abrir a porta de pedra da sala e ela não se movera um milímetro. A janela era inalcançável a menos que uma de nós voasse.

- E eu acho que voa. – A voz sussurrante e claramente cheia de dor de Sophie ecoou pela sala. Todas franziram a testa. - Ellie? Ela pode se transformar em morcego.

A compreensão caiu como uma tempestade.

- Não é assim tão fácil. – Eu disse quebrando um silêncio que mantinha haviam dias. – Ela precisa de algumas condições específicas.

Os olhos de Ellie estavam fundos e mais escuros. O gelo natural havia sido substituído por um tom de céu antes de uma tempestade de neve. Mas, mesmo que seus olhos demonstrassem sua exaustão, a aparência de Ellie continuava completamente impecável. A mesma roupa preta que ressaltava o pálido de nossas peles e fazia com que parecêssemos fantasmas, fazia com que sua pele assumisse um tom perolado maravilhoso.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora