Anika
Nunca fui boa em esperar. E depois de me tornar vampira – um ser com uma propensão a se obcecar por qualquer coisa, por menor que seja – piorei muito. Depois que deixo o quarto de Olívia, nem estou mais pensando nas diversas árvores genealógicas que consultei ao seu lado. Queria que existisse uma forma mais simples de encontrar minha família, mas aparentemente não existe. Mas afasto o passamento antes que ele se instale e quando chego ao meu quarto, deito na cama e espero fixamente encarando o teto enquanto a casa começa a ficar silênciosa.
Horas se passam e eu não me distraio. Pintei o quarto logo depois de me mudar e meus olhos se focam na tinta rosa das paredes, iluminadas apenas pela luz da lua. Consigo ouvir cada quarto sendo tomado por um silêncio sepulcral. Se prestar atenção suficiente, descubro até mesmo qual dos quartos está ficando quieto agora. O de Sophie é o mais fácil de perceber – a risada dela vai diminuindo até desaparecer. O de cada uma das gêmeas também, elas sempre fazem muito barulho e quando dormem, o silêncio parece dominar a casa a partir delas. Aos poucos, tudo que se ouve são os rangidos da casa e o vento corrente lá fora. Deixo um bom tempo passar antes de ter coragem de me levantar cama e deixar o quarto.
Não ousamos sequer enviar mensagens uma para as outras, por medo de permitir que qualquer ruído ou luz chame atenção. Olívia me espera na beira da escada e encontramos Naomi no andar abaixo do nosso. Nenhum sinal é necessário para que nos sigamos até o térreo. Nos atentamos a cada sombra e prestamos atenção no som das respirações de nossas companheiras, vindos do quarto de cima. Quando alcançamos a sala, Naomi para e checa o lugar por medo de que alguém tenha ficado para trás ou caído no sono no sofá, mas além da fumaça que sai da lareira recentemente apagada, nada parece se mexer. Finalmente andamos até saída e durante o momento de última hesitação antes de abrir a porta barulhenta é que parece que todos os nossos planos estão prestes a desmoronar:
– Vocês três acham que eu sou estúpida? – A voz de Kat surge bem do nosso lado, alcançando um dos casacos para cobrir a metamorfose recém revertida.
– Kat, nós... – Olívia começa.
Mas Naomi a interrompe.
– Foi minha ideia. E sinceramente não vejo qual o grande problema nela.
– Eu sei disso, meu quarto é ao lado do de Olívia. Só estou decepcionada por vocês não terem dito nada sobre o plano para mim.
Naomi bufa.
– Eu não costumo fazer propostas que eu sei que serão recusadas.
– Não faça suposições, Naomi. Você não tem como saber o que eu diria.
– Eu sei o que suas regras dizem.
– As regras do Exército tiveram diversas exceções em Nova Orleans, não entendo porque não teriam agora.
– Você está dizendo...? – Digo, olhando com cuidado.
Kat pisca os olhos verdes e termina de abotoar o casaco.
– Estou dizendo que ninguém precisa saber. – Diz e abre a porta, saindo para a ventania.
Nós três que ficamos para trás nos entreolhamos, duvidando que Kat simplesmente tenha querido fazer parte do plano assim, sem condições. Naomi dá de ombros e sai. A verdade é que de uma forma ou de outra, não há nada que possamos fazer sobre o que quer que Kat queira. Ela é dona de si. Olívia morde o lábio e segue Naomi. Eu vou em seguida e fecho a porta atrás de mim.
Em pouco tempo estamos na estrada de terra iluminada pela lua cheia. À exceção de Kat, que usa apenas um casaco felpudo que chega a seus pés, todas nós esquecemos de pegar casacos no cabideiro. Mas o frio cortante não me faz tremer ou hesitar. Pelo contrário, me traz uma sensação de confiança, lembranças antigas começam a aflorar. A calça jeans colada a meu corpo não lembra em nada os vestidos costurados por Ellie com tecidos roubados, mas o frio atravessa o tecido dela, como faria com eles e me faz desejar sangue quente mais do que nunca.
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As Crônicas de Kat - A História Completa
VampireConheça Katerina, uma vampira criada à força na Europa do século XIX por uma mãe bruxa desesperada em sua busca pela imortalidade e seus segredos. Kat sobreviveu por muito tempo se considerando nada além de um ser inferior do Inferno, destinada apen...