Bem-vindas ao século XX - VI

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Continuação da entrada do dia 20 de julho de 1907 no diário de Kat

Fazia horas que o silêncio reinava e a agonia da sede de sangue agora era encoberta pela ansiedade. Estávamos sentadas em um círculo e meus olhos corriam pelos diferentes tons de olhos na sala.

O castanho de Anika. O areia de Miranda e Valentina. O violeta de Sophie. O verde de Naomi. Castanho. Areia. Areia. Violeta. Verde. Castanho. Areia. Areia. Violeta. Verde.

O barulho que Ellie fez ao chegar sobressaltou todas ao mesmo tempo. As barras de metal da janela caíram no chão fazendo um som estridente e Ellie entrou rolando pela janela, caindo em pé no chão.

- Hey. – Disse sorrindo e alcançando o hábito no chão enfiando-a pela cabeça.

Estávamos chocadas e nervosas demais para ter qualquer reação. Ellie alcançou as barras de ferro no chão e começou a enfiar nos buracos da parede de pedra.

- Uma ajudinha aqui. – Disse, depois de um tempo, e eu me levantei para ajudar.

- Hmm... Ellie, você escalou torre? – Perguntei enquanto trabalhávamos naquilo.

- Uhum. - Ela grunhiu em resposta.

- Completamente nua?

- Bem, eu não tinha muita opção, certo? As pedras estão bem irregulares, Kat. Da para escalar na saída e na entrada.

- Quão alto é?

- É muito alto, mas nem dá para sentir. E além do mais um vampiro não morre de fraturas, certo? E quanto mais baixo mais perto do sangue. – Ela disse isso lambendo os lábios, com um brilho intenso nos olhos.

De repente, me senti mais motivada. Ajudei a enfiar as barras de ferro enquanto as outras vampiras totalmente absortas observavam. No fim, escalei. Quando cheguei ao buraco da janela e olhei lá para baixo, senti vertigem. Só que eu não tinha mais tempo para pensar, tinha sangue lá embaixo.

Deslizei o corpo sobre o peitoril com cuidado e prendi o pé em uma pedra. Comecei a descer o que pareceu a torre mais alta do mundo para mim. Eu estava firme o suficiente para descer sem deslizar em nenhum momento. Era bom me concentrar em outra coisa além da agonia que estava sentindo. Uma coisa de cada vez.

Quando pisei no chão, minhas unhas estavam em frangalhos e minha mão completamente arranhada. Mas assim que respirei fundo e o cheiro do sangue de toda uma cidade chegou até mim, nada mais importava. Com uma força surgida de não sei onde, corri como um raio. Invadi a primeira casa que vi pela frente e começando pela criadagem (que ficava no andar inferior), matei cada que alma que vivia na casa. Entendi o olhar febril de Ellie. Nenhuma palavra, de nenhuma língua, pode descrever a sensação de ter sangue humano correndo em minhas veias outra vez.

Era como viver outra vez.

Só que melhor.

Uma parte de mim sabia que eu deveria estar sendo mais discreta, mas convenhamos, eu não sabia o que era sangue havia mais de um ano. Se beber tudo que eu precisava fosse a última coisa que eu fizesse, eu morreria feliz.

Voltei à torre depois de colocar fogo na casa vazia e nas duas do lado. Subi sem medo, inebriada pela sensação incrível. Por algum motivo o fato de ter escapado por algumas horas e ter aquela leve liberdade para ir e vir, fez com que a sala escura mais parecesse um dos meus lares temporários do que uma prisão. Afinal, se um vampiro tem sangue a gosto e um lugar para dormir, ele não é um prisioneiro de verdade.

Só Ellie estava lá dentro quando cheguei. Ela tinha convencido todas as outras a descer e elas estavam na sua pequena festinha sanguinária lá embaixo. Meu lado racional, agora de volta, pensava nos riscos que isso podia trazer, mas eu me permiti confiar nelas.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora