Afterworlds - I

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"Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente. É aquele que é mais adaptável à mudança."

Leon C. Megginson

Bucareste, Romênia

7 de outubro de 2016

Sophie

Minhas mãos apertam o peitoril da janela com tanta força que os nós dos dedos ficam brancos. Elas suportam todo meu peso quando eu me inclino para frente, sentindo o vento contra meu cabelo e o cheiro do orvalho. Se os céus estão chorando, eu não preciso chorar. Se a natureza continua se movendo, dia após dia, noite após noite, eu também posso.

Por isso escolhemos o nascer do sol.

– Sophie? – Ouço a voz de Kat pela porta aberta – Estamos prontas.

Me afasto da janela e olho para Kat, cuja energia toma meu quarto inteiro. Kat parece ter crescido depois que tomou sua alma de volta, se expandido. Mesmo agora, usando preto pela primeira vez desde que a conheço, com o cabelo preso em uma coroa de tranças igual à que eu uso, ela não se mostra menor. Ela emana poder.

Pego a pequena urna que parece pesar uma tonelada sobre a minha mesa, e sigo Kat para fora de casa. Lá fora, as outras seis restantes do Exército nos esperam. Persephone, Pierre, Alexandra e Rowan queriam vir prestar suas homenagens também, mas um não de Kat foi o bastante. Este funeral é nosso. É daquelas que compartilhavam do sangue das que se foram. Daquelas que lutaram ao seu lado.

Minhas mãos tremem e a urna se balança enquanto eu ando, fazendo a pequena pedra de lápis lazuli balançar de um lado para o outro. Apenas duas urnas carregam os restos mortais de suas donas: A de Louise, que Juliana carrega contra o peito e a de Valentina, que Anika afasta do rosto para não deixar molhar. As de Charlottie – que está comigo – e de Miranda – com Ellie – estão vazias, apenas com as suas pedras. Nós nos desfizemos de seus restos mortais antes de pensar em um funeral. Antes que a maior parte do Exército pudesse sentir o luto em sua forma mais profunda. Naomi não tem uma urna, não porque não sintamos sua falta, mas porque Kat está convencida de que ela não morreu.

Foi-se a época de caminhadas silenciosas e soturnas no Exército. Agora caminhamos em meio a lamentos e gemidos. A cada cinco passos, alguém para, tremendo de frio e esfrega os braços antes de voltar a caminhar. Frio é comum quando seu corpo é mais quente e vivo do que a de humano comum.

Andamos pela parte desmatada e vazia da estrada até o começo da floresta, onde costumávamos vir para treinar. Uma árvore antiga, um salgueiro bem cuidado, possui quatro buracos próximos à sua raiz, ao lado de pequenos montinhos de terra. Paramos ali, o mais próximo umas das outras que pudemos, sem formação definida. Não parecemos um Exército ou um Clã. Parecemos um bando de freiras, ou talvez um bando de bruxas. Oito jovens vestidas de preto com o cabelo preso em uma coroa de tranças, olhos lacrimosos e almas cansadas. O sol está começando a despontar do céu, uma linha branca em meio à imensidão escura e os olhos de Kat têm a cor do salgueiro quando ela dá um passo à frente e diz, de alguma forma olhando para todas nós ao mesmo tempo:

– Ainda não acabou. Sei que pode ser fraco. Sei que algo acabou naquela noite, mas... Ainda não acabou. Não acabou para nós, não acabou para elas. Tudo que nós conseguimos foi conquistado pelo sangue derramado, por nós e por elas. Nós somos muito mais do que o corpo que habitamos e mesmo que muitas vezes desejemos mantê-lo eterno e habitar nele para sempre, mesmo quando ele vai embora, nós continuamos. Infinitos. Nossas marcas continuam na manta do Tempo, nossas almas estrelas brilhantes do Céu, nosso bem constantemente vencendo o Inferno, nossa persistência negando direitos à Morte.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora