Katerina

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Santiago, Chile

28 de agosto de 2017


Katerina!

Essa exclamação indica que estou gritando com você. Gritando por você estar me fazendo escrever uma carta em 2017! Apesar de eu ter cogitado simplesmente ligar, sei que você teve o disparate de jogar seu último telefone fora, e é apenas por isso que eu estou escrevendo esta carta.

Isto é uma intervenção. As meninas sabem que você só ouviria a razão se viesse de mim – prova disso é você não ter me contado sobre esta ideia ridícula de se isolar do mundo.

Você, Katerina! Justo você! Você deveria estar viajando pelo globo, conhecendo cada canto que ainda não conheceu ou cada canto que mudou violentamente desde sua última visita. Você deveria estar vivendo como se não houvesse amanhã. Eu não sei o que deu na sua cabeça para você resolver se esconder do mundo na cabana onde você passou alguns dos piores anos de sua existência – e nem quero ouvir uma desculpa qualquer sobre encontrar Naomi.

Eu conheço você.

Então eu não vou simplesmente dizer a você que saia daí e acreditar que você vai sair e viver feliz para sempre rodando pelo mundo como Olívia e Tatiana – farei uma proposta. E antes dela, tem algumas coisas que você precisa saber - coisas que não poderiam ser contadas por telefone, videochamada ou mensagem de texto e que eu não conseguiria dizer em pessoa, então eu vou agradecer a coisa da carta nesse sentido, mas apenas nele.

Pierre me ligou ontem à noite e me contou que ele e Juliana estão lançando uma campanha na cidade para encontrar "o verdadeiro culpado pelo Massacre de Fevereiro de 1998". Eles querem limpar o nome de Sophie na única cidade que ela amou, mas ainda não sabiam quem culpar pelos assassinatos. Eu sugeri que eles culpassem a mim e que fizessem de Sophie uma espécie de mártir. Não faço ideia de como eles vão conseguir convencer uma cidade inteira de que uma jovem de aproximadamente 17 anos assassinou 522 pessoas, além dos corpos nunca encontrados de outras onze, mas eu posso fornecer qualquer prova necessária. Incluindo um diagnóstico de insanidade que me foi dado em 1993.

Você se lembra? A psiquiatra que nós matamos? Ela estava completamente convencida de estar diante de um dos casos mais inacreditáveis de psicopatia. Eu não demonstrava sentimento algum. A frieza dos meus atos, dos meus olhares, dos meus movimentos. Eu te deixava completamente orgulhosa por ser aquela máquina assassina fria cuja existência era devida a você. Você fez de mim quem eu era e tinha mais orgulho de mim do que das outras. Eu adorava isso, do meu jeito. Toda vez que alguém entrava no Exército eu tinha ciúmes – sua adoração por mim era uma forma de garantir que eu sempre seria mais especial do que as outras.

Claro que as coisas mudaram quando eu recebi minha alma de volta. Com ou sem maldição, as coisas mudariam. O que eu não esperava era ser tomada de um sentimento tão inacreditável sobre você. Era a pior coisa que poderia acontecer comigo. E mesmo que eu me alimentasse de pequenas ilusões a esse respeito, eu sabia que você nunca se sentiria do mesmo jeito – que sua adoração nada tinha a ver com amor romântico, mesmo que fosse o sentimento mais profundo que você pudesse nutrir por alguém.

Nós não falamos muito sobre nossos sentimentos, porque nós passamos muito tempo da nossa existência desprezando eles. E eu não me importo que seja assim para sempre, porque essa é nossa dinâmica. Mas quando você não consegue parar de pensar em algo, eventualmente você vai falar sobre isso, Katerina. É como as coisas funcionam.

Eu não estou mais com Rubí. Não tenho estado a pelo menos três meses. Não foi por causa de você ou por meus sentimentos, que ela sempre conheceu, mas por Siena. Siena não gostava de mim nem um pouco e deixava isso claro constantemente. Eventualmente, Rubí se cansou de ter que viver entre eu e ela e simplesmente optou por aquela com quem estava há mais tempo – e que nutria por ela sentimentos mais fortes. Eu não me importei, realmente preferia ficar sozinha do que em um ambiente de guerra fria constante. Eu me dei conta, ao ver Rubí ir embora, que eu não sentiria saudades dela, porque outras saudades se sobrepunham a essa. Como a do Exército e a de Sophie. E acima de todas, a saudades de você.

Meus dias sozinha foram tomados por muita reflexão. Eu nem cheguei a fazer alguma coisa além de pensar muito. Em uma noite, eu consegui mandar um fantasma ir se catar e fiquei parada pensando: Por que eu consigo atrair apenas adoração das pessoas? De você, de Sebastian, de Rubí. Talvez não de Alec, mas que diferença faz? A alma dele foi destruída e, além disso, ele não tinha nada a ganhar de mim ou motivos para me adorar. Se apaixonar por mim foi sua ruína. O que me fez pensar se eu mereço amor. Falo de amor puro e natural, não esse que beira obsessão ou adoração. Depois eu percebi: é claro que eu não mereço - quem entre nós merece qualquer coisa boa? -, mas isso nunca nos impediu de tomar o que queríamos e conquistar o que acreditávamos ser nosso.

Também pensei muito sobre você e sua adoração. Você foi criada para adorar, Katerina. Sua mãe fez com que ela fosse todo o seu mundo pelos seus primeiros dez anos, para que você a adorasse e a obedecesse, mesmo depois de sua morte. Depois disso, o Inferno quis que você fosse sua maior estrela, soldada mais leal e você foi o mais longe disso que poderia. Você nunca fez o que queriam de você ou adorou quem mandaram que você adorasse. Ao invés disso, a única pessoa ou força que você adorou o suficiente para seguir - e mais importante não matar ou trair - fui eu. E eu não sei porque ou como isso aconteceu, ou o que você viu em mim que nunca mais voltou a ver, mas talvez esse seja o motivo de eu ter me apaixonado por você.

Você pode não me amar romanticamente, mas ainda me ama e ainda me ama de uma forma que nenhuma criatura no universo amaria. E eu sei que me mandar embora doeu, e que você só fez isso porque sabia que precisava. E eu tenho sido feliz nos últimos meses, como você imaginava, mas não tenho sido plena. Não me sinto completa como me sentia quando éramos apenas nós duas viajando pela França, há um século e meio, ou naquela boate em Nova Orleans, dois anos atrás. Todas as vezes em que fizemos algo que só nós poderíamos fazer, eu me senti completa. Eu me senti mais eu mesma do que com qualquer outra pessoa.

Eu provavelmente deveria dizer a você também que ainda não fui a Porto Williams. Eu quis, mas cheguei a Santiago colocando um milhão de impedimentos e inventando preparações que não eram necessárias. Quando Rubí e Siena foram embora, eu parei de mentir para mim mesma e de acreditar que eu pretendia ir para a cidade que está ligada a mim. Por mais que eu queira conhecer o lugar, eu não sei o que faria com uma cidade que espera tanto de mim (como Anika e Juliana conseguem?). Todo mundo lá sabe minha história e conhece meu nome. Eles esperam por uma lenda e a ironia é eu não me sinto uma lenda desde que me tornei o Réquiem.

Sei que no momento em que eu pisar na cidade, vou precisar ser mais do que apenas Ellie – quem quer que ela seja. Preciso ser a força que tem as chaves do Inferno, a que canta a canção dos mortos, que conhece corpo e alma em toda a sua profundidade. Isso é pior que ter o Toque do Céu (que Olívia não leia isso), porque com ele você pode simplesmente ser o que esperam de você. O Réquiem tem seus poderes baseados no que sabe e no que viu. Eu preciso ser quase uma deusa. Aquela que sabe mais do que deveria. Preciso ser aquela que venceu o Inferno. Mas essa não sou eu – o único motivo para eu conhecer a saída do Inferno e poder fazer algo sobre isso é você ter me dado seu sangue. E você e as meninas venceram o Inferno, eu fui apenas a Chave.

Eu não posso fazer isso e entrar naquela cidade sem você, Katerina.

Não posso enfrentar mais adoração – esta sem nenhum conhecimento prévio de mim. Adoração sem sentido. Adoração por um conceito. –, sem estar cercada pela sua – esta que vem de quem me criou.

O que eu quero dizer com tudo isso é que Sophie estava certa: Eu não posso deixar o que eu quero de você ficar no caminho do que você pode me oferecer. O que quer que eu acabe fazendo dessa minha vida eterna, sem maldições e cercada de fantasmas, eu quero fazer com você. Mas eu definitivamente não vou me esconder em uma cabana na Áustria como se fosse 1885 e a Morte e o Inferno me quisessem morta. Então, venha para cá, Katerina. Me encontre no Chile e vamos juntas até Porto Williams. Vamos conquistar outra cidade ou talvez destruir outra cidade. Vamos começar a desbravar o novo mundo que criamos, juntas.

Tenho todo o tempo do mundo para esperar por você, mas, por favor, não me faça enfrentar mais essa batalha. Você me disse que estaríamos no mesmo país no seu aniversário. Sabe o que fazemos com quem quebra promessas.

E antes que eu vá: Eu também amo você.

Ellie

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As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora