Written in My Own Heart's Blood - III

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18 de maio

Alguém encontrou a cabana hoje. A casa de minhas antepassadas fica afastada da estrada que leva no sentido a Graz, em uma clareira cercada de árvores tão entrelaçadas que não era possível ver o casebre até se enfiar embaixo de um galho e chegar à clareira em si. Percebi a pessoa se aproximando quando estava sentada na porta dos fundos, fazendo sombras com um cristal. Me enfiei na sala secreta e tranquei a porta.

Como esperado, o jovem se aproximou da casa, sem saber se ela estava habitada ou não e com a confiança que somente um homem branco austríaco teria, entrou em todos os cômodos, buscando alguma coisa. A casa parece habitada – está limpa, aberta e organizada-, mas não por nada humano e nem por nada nesse século – não tem comida, energia elétrica ou água encanada. Eu notei a confusão do homem que fuçava minha casa através da energia dele. Também notei a energia das bruxas enterradas abaixo de nós e em meu jardim completamente revoltada pela invasão.

Eu não pretendia fazer nada a respeito. Não era como se ele fosse dormir ali e eu estava segura na sala secreta – que é completamente encantada -, era só esperar que ele fosse embora e eu ficaria bem. O problema é que ele foi embora e assim que eu voltei à minha rotina normal, retornou, com três outros homens e a intenção de tomar a cabana. Mesmo se eu não fosse forçada a mata-los, a cabana era protegida por um bando de bruxas mortas e a Morte viria busca-los na lua cheia seguinte.

Eles foram as primeiras pessoas que eu matei desde que voltei a ser bruxa – eu fui a última a fazer isso, todas as Sobreviventes já mataram ou foram responsáveis por Mortes antes de mim, pelo que me contaram. Os assassinatos não me incomodaram ou me deixaram deprimida, porque eu sabia que precisava fazer isso, mas eu tinha esquecido o quanto era irritante ter que esconder corpos depois do ato. Me fez sentir falta de ter um Exército para fazer isso comigo.

Novembro do ano passado chegou deixando todo o Exército na ponta dos pés. Tínhamos duas semanas até a lua sangrenta. A Morte vinha cobrar uma de nós e o Inferno queria nossa ajuda. Precisávamos decidir o que fazer e por isso passávamos todas as noites em longas reuniões, onde debates chegavam próximos do não-civilizado. Amelie, Persephone e Rowan às vezes faziam parte dessa reunião, mas elas estavam quase tanto às escuras quanto nós oito. A única coisa que as videntes podiam dizer era que no fim, haveria sete de nós e que a profecia previa isso e Amelie não dizia quase nada, lembrando que só estava ali porque a Morte a trouxera de volta.

Anika, Ellie, Sophie e eu ainda estávamos escondendo o que sabíamos sobre a batalha com a Morte, mas aquilo não faria diferença nenhuma. Sabíamos que não tínhamos como nos preparar, além de ler e reler a profecia milhares de vezes e tentar fazer de tudo para que Kaylee se sentisse bem e o mais próximo do feliz possível. Não sei se ela notou o fato de que era a única que Anika não enchia de tarefas durante o dia e a que ganhava o direito de decidir o que faríamos em todos os momentos livres. Conversas sobre temas tensos eram terminantemente proibidas fora das reuniões.

Uma semana antes da lua sangrenta, Ellie, Sophie e eu ficamos na sala de estudo e atendimento de Anika a tarde inteira, ajudando ela a cuidar de algumas crianças que desenvolveram crises alérgicas algumas semanas antes do inverno. Todas as vezes que a sala ficava vazia, Anika soltava alguma frase sobre algo que ela tinha aprendido com o Destino agora que "entendia sua língua".

- Eu não sei, mas nenhuma força é imbatível. – ela disse, já no fim da tarde. – Existe equilíbrio neste universo e em todos os outros e isso significa que tudo pode ser subjugado.

- Então como o Destino nunca foi vencido? – perguntei. – Em milênios?

- Não acho que ele nunca foi vencido, apenas que não existe documentação disso. – Anika respondeu.

Uma outra criança entrou na sala e nos distraímos encontrando uma forma de ajuda-la com a brotoeja. Depois que ela saiu, Ellie se sentou sobre a mesa e cruzou os braços sobre o peito, dizendo:

- Vencer o Destino é reescrevê-lo. Talvez não exista nada documentado, porque quando as coisas mudaram, foi como se elas sempre tivessem sido daquele jeito.

- Isso faz sentido, mas não nos ajuda nem um pouco. – eu disse. – Nós tentamos mudar as coisas e não adiantou nada.

- Nós não mudamos de verdade, apenas encontramos nossos destinos de braços abertos. – Anika corrigiu. – Nós sabíamos o que ia acontecer graças à profecia, e não tentamos fazer algo diferente acontecer, apenas tentamos evitar que o que ia acontecer acontecesse, mesmo que não tivéssemos como saber como aconteceria.

- Anika, você está fazendo minha cabeça doer. – Sophie reclamou.

Anika riu, mas foi interrompida de novo antes de explicar. Não tivemos tempo de voltar à nossa conversa até o fim do dia, quando a lua já estava alta no céu e a sala de estudos sem energia iluminada apenas pela luz das velas.

- Nós não tentamos fazer com que outra coisa acontecesse. – Anika disse, assim que pode. Ela não precisou explicar do que estava falando, porque as palavras dela tinham ficado em nossas cabeças durante todo aquele tempo. – O Destino disse: "Isso vai acontecer". E ao invés de responder com: "Na verdade, isso vai acontecer.", respondemos com "Isso não vai acontecer" e o Destino, é claro, riu de nós e de todos que tentaram o mesmo antes.

- Mas como nós fazemos outra coisa acontecer, se não sabemos exatamente como vai acontecer? – perguntei.

Anika deu de ombros.

- Não fazemos. Você precisa conhecer as regras para poder quebrá-las. Se você não conhece palavra por palavra do que foi escrito em pedra, nunca vai encontrar a brecha, e o Destino é mais esperto do que simplesmente contar tudo.

No escuro da sala, eu notei uma faísca de compreensão tomar o olhar de Sophie, tão intenso e azul quanto o olhar dela conseguia ser. Ele foi embora tão rápido quanto veio, mas eu sei que esse lampejo estava lá.

Queria poder dizer que naquele momento eu sabia que algo não estava certo, mesmo que não soubesse o que fosse. Queria dizer que sabia que ela tinha tomado uma decisão e que uma ideia surgia nela, guardada o suficiente para que ela não corresse o risco de ser descoberta pela Morte. Mas eu só noto isso agora, olhando para trás e sabendo de tudo que aconteceu. Eu não sabia tudo, como não sei agora, mas o que eu sei é que eu nunca poderia impedir uma força tão poderosa quanto Sophie de fazer o que fez e de destruir o que destruiu.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora