23 de fevereiro
Diário de Kat
A última coisa que eu esperava, aconteceu.
Ellie agora está trabalhando como voluntária no hospital da Cruz Vermelha. Eles têm convocado todas as mulheres mais ou menos da idade em que ela foi transformada. Nós tínhamos como nos esconder disso, até porque Sophie e Kaylee conseguiram, mas Ellie resolveu que queria trabalhar por um tempo só para sair do ócio e descobrir novidades sobre a guerra. Ontem, depois do seu terceiro dia de trabalho, ela voltou para o nosso apartamento trazendo pela gola da camisa um homem que arfava de dor.
As outras oito de nós estávamos sentadas no tapete da sala, como sempre, próximas a lareira, conversando. Ellie atirou o corpo entre nós e um gemido escapou dos lábios dele, denunciando sua vida.
- Ellie, mas que m...? – Me interrompi quando o homem levantou o rosto e focou os olhos nos meus.
Eu e Sophie ofegamos ao mesmo tempo.
- PIERRE??
Todas nós nos levantamos. Um lampejo de vida passou por seus olhos, mas logo em seguida ele os fechou, desmaiando.
- Ele mesmo! – Ellie grunhiu com o rosto ainda mais duro do que o normal - Esse... Esse...
Não conseguiu completar a frase de tão transtornada que estava. Olhei para Sophie, que estava tão preocupada quanto eu. As outras seis nos encaravam com expectativa, esperando uma explicação. Delas, Anika era a única que realmente entendia nossa tensão.
- Sophie, leve-o para o quarto. – Eu disse, tentando ser razoável. – Nós três precisamos arrancar algumas informações dele e depois decidir seu fim. E quero Annie conosco também. Ellie, você precisa explicar exatamente como o encontrou.
Sophie suspirou e puxou o corpo desmaiado de Pierre, pela gola da camisa surrada, como Ellie fizera. Nem pensei em dizer para ela não fazer isso. Nós três tínhamos o direito de torturar Pierre o quanto quiséssemos.
Ellie se sentou e nos encarou. Nós continuamos de pé.
- Esta tarde um caminhão cheio de soltados alemães feridos chegou ao hospital. - Começou - Foi um caos porque todos pareciam gemer juntos em uma sinfonia desafinada. Também havia aquele cheiro de sangue fresco em todos os lugares o que me deixava desconcentrada. Resolvi que não aguentaria ficar mais um minuto naquele lugar e me dirigi até a saída, camuflada pelo caos.
"Foi quando ouvi meu nome dito em meio a uma tosse alta. Me virei por reflexo. Os olhos dele chamaram minha atenção mesmo em meio a sala bagunçada. Claro que chamaram, meu Deus, com aquele brilho doentio, é claro que chamaram." Ellie suspirou e colocou o rosto entre as mãos. "O que ele está fazendo aqui? Por que ele foi surgir justo agora?"
A essa altura Sophie já havia voltado e olhava em silêncio para Ellie. Nós duas estávamos surpresas. A Ellie de sempre teria matado ou pelo menos tentado matar Pierre sem nem pensar duas vezes. Pensar nisso me atentou para os motivos de Ellie. Andei até ela e parei à sua frente com as mãos sobre seus joelhos.
- Você precisa descansar. – Disse, olhando em seus olhos, quando ela tirou as mãos do rosto. – Precisa de um banho quente, relaxar e não pensar nisso até de manhã. A volta de Pierre causava mais efeitos em você do que em qualquer uma de nós. Precisaremos de você acordada e bem quando formos tratar de Pierre.
Quando Ellie, em seu habitual silêncio frio, concordou e saiu da sala, eu pedi que Sophie e Anika ficassem para trás para conversar comigo e mandei todas as outras para a cama.
- O que vocês acham? – Perguntei, me sentando no braço do sofá.
- Eu acho extremamente bizarro um demônio lutando no exército alemão. – Anika disse, sendo óbvia.
Sophie sorriu.
- Ele é só meio demônio e, se você pensar, até que faz sentido.
- Não foi isso que eu quis dizer. – Reclamei, impaciente.
Elas se entreolharam antes de voltar a falar comigo.
- Bem, eu duvido muito que ele estivesse procurando por nós. – Anika disse, séria - Ele apenas deu azar de se machucar e ir parar no hospital em que Ellie estava trabalhando. A questão é só uma: Ele não se regenera? Por que está tão machucado?
- É, foi o que eu pensei também. – Sophie completou. – Ele tinha muitos ferimentos superficiais que se curariam muito fácil. Só se...
Ela parou no meio da frase, aparentando pensar.
- Se...? – Perguntei, pedindo a conclusão.
- Se ele estivesse em uma explosão ele provavelmente estaria cheio de ferimentos internos. – Sophie colocou, cuidadosa - Esses levam mais tempo para curar e provavelmente quando aconteceu, ele estaria fraco demais para evitar ser carregado para o hospital. Se ele tivesse tomado banho, comido e sido bem cuidado no hospital provavelmente ele já estaria curado e pronto para a outra, mas chamar o nome Ellie foi o maior erro dele.
- Faz sentido. – Concordei, com um suspiro. – O que faremos com ele?
Elas ficaram em silêncio. Eu também não fazia ideia do que faria.
- Não sabemos quão forte ele está. – Eu disse em voz alta para organizar meus pensamentos – Também não sabemos se seria possível mata-lo ou tortura-lo sem ter a fúria do Inferno virada contra nós. Todas nós temos nossa alma no inferno o que significa que ela provavelmente pode ser destruída em um piscar de olhos. Quer dizer, todas nós, menos uma.
Sophie sorriu, mostrando que entendia.
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As Crônicas de Kat - A História Completa
VampireConheça Katerina, uma vampira criada à força na Europa do século XIX por uma mãe bruxa desesperada em sua busca pela imortalidade e seus segredos. Kat sobreviveu por muito tempo se considerando nada além de um ser inferior do Inferno, destinada apen...