Lullaby - VI

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28 de agosto

Louise

Ela que fez de si Fonte

Que buscou Conhecer, Que quis Transformar Estrelas em pó

Malditos sejam dos Frutos de seu Poder

Indignos sejam os que Condenam quem Fez

Da Noite se veste e A Noite se Torna

Origem; Árvore

Quando eu finalmente consigo convencer Juliana a deixar Alex e Pierre sozinhos e vir até meu quarto para conversar, já anoiteceu. Eu sei que ela pode prever qual o tema da conversa. O que ela não esperava era encontrar uma caixa de papelão cheia de coisas da minha antiga casa sobre minha cama.

Mon Dieu, Lulu! – Ela pega a boneca que estava sobre a caixa nos braços e aperta como fazia quando era um bebê.

Eu rio de como o francês sai dela naturalmente. A boneca de porcelana está nua e descabelada, além de metade do seu cabelo e rosto terem sido pintadas com tinta para tecido quando eu tinha oito anos. Não sei porque Juliana era obcecada por essa boneca quando era criança e porque continuou a falar dela quando saiu de nossa casa, mas ela pode ficar com a boneca agora. Agora ela pode ficar com tudo.

– Foi esperto da parte de mamãe colocar Lulu junto dessa caixa. Ninguém pensaria que isso também estaria aqui dentro. – Pego a caixa de joias de dentro da caixa e os olhos de Juliana se arregalam.

Todas as joias que minha mãe ganhou nos anos de casamento estão ali dentro. Incluindo brincos de topázio que ficam lindos em Juliana. Minha irmã está tão surpresa por ver aquilo ali que nem se move enquanto eu coloco os brincos em sua orelha. Ela aperta minha boneca contra seu corpo com uma mão e com a outra toca os brincos. Juliana é rica, todas nós somos. Mas isso aqui é um tipo de riqueza diferente. Era a riqueza que ela via de longe quando era criança, a riqueza que sua mãe cobiçava e dizia ser seu direito. Os olhos dela estão fixos em algo atrás de mim, me viro e percebo que ela está olhando seu reflexo em minha janela. Quando me viro de volta, ela está de pé, Lulu foi jogada no chão e ela tenta tirar os brincos, horrorizada.

– Juliana, não. – Peço.

– Louise, isso é seu. – Ela responde, ainda arrancando os brincos.

– Agora. – Eu lembro. – Em trinta e três dias, nada mais será meu. Nem o que nasceu comigo.

Suas mãos param em sua orelha e seus olhos escurecem.

– E você está resignada? – Ela diz, com uma expressão de nojo. – Aceitou? Como Charlottie?

– É completamente diferente de Charlottie. – Eu respondo. – Quem morrer na batalha final vai mudar todo curso da história, Ju.

– Não a história que o Destino escreveu. – Juliana lembra. – Ela sempre disse que tudo que está acontecendo ia acontecer.

– Não faz diferença. – Dou de ombros. – Eu não me importo com o que está ou o que deixa de estar escrito. Eu me importo com quem eu sou e o que eu preciso fazer. Se eu não voltar – se eu me tornar como a escuridão da noite -, eu quero garantir você fique bem.

Juliana cai na cama com um bufo.

– Louise, eu sei me virar. – Ela resmunga.

– Sei disso, acredite. – Lembro. – Mas eu ainda sou sua irmã mais velha e ainda prometi que te daria tudo que é seu quando chegasse a hora. Juliana, a hora é o próximo dia 30 de setembro.

– Onde você quer chegar?

Olho nos olhos dela.

– Eu sou a Fonte, você o Receptáculo. – Recito.

Juliana aperta os olhos, confusa, mas parece entender em minha expressão.

– Seus poderes? – Ela pergunta.

Balanço a cabeça.

– Não é como se fosse sobrar algo em meus ossos. – Digo. – Você deve ser a muda, deve fazer florescer o que sobrar de mim.

– Pare com isso. – Juliana pede.

– Não tente evitar isso, irmã. É como deve acontecer. E eu quero que você esteja pronta.

Existe algo nos olhos de Juliana que eu não sei se interpreto da forma correta. Sei que ela não quer me perder, não quer que eu morra, mas ela quer isso. Quer meus poderes e meu legado. Eu me estico para a caixa e tiro alguns cadernos antigos de lá de dentro. Todos eles têm joias escondidas em seu interior. Era como minha mãe trabalhava: Transformava todo seu dinheiro em joias e mantinha muitas escondidas onde poderia pegar e desaparecer no segundo seguinte.

– O legado das Delacrois. – Digo, entregando um dos cadernos a Juliana. – Você deve estudar isso, deve entender os poderes que terá, antes de recebe-los. Não precisa contar a ninguém que isso vai acontecer, pode contar com cobertura minha, caso queira estudar sozinha.

– Eu me sinto roubando. Tomando algo que não conquistei. – Juliana diz, hesitando.

– Você é a minha única parente de sangue viva, Juliana. – Eu lembro. – Pelas leis de qualquer país, tudo que eu tenho é seu quando eu morrer.

– Isso não é exatamente verdade. – Ela rebate. – Você tem outras nove irmãs vivas.

– E elas tem suas próprias heranças. – É a minha vez de dizer, cansada desse vai e vem. – Escute, quero que você use as joias também. Todas e cada uma delas. – Tenho outro caderno no colo e puxo um colar com pedrinhas que parecem mudar de cor dele. – Você precisa voltar para Nova Orleans e confrontar sua mãe. Mudar o que ela tem feito com os Apreciadores, evitar que ela tenha poder contra vampiros ou que controle qualquer sombra que restar nessa dimensão. É uma batalha que eu quero que você trave, por mim.

Essas palavras parecem acalmar Juliana e fazer que ela aceite seu Destino. Ela concorda com a cabeça e distraidamente toca a pedra de água-marinha, em uma saudação de guerra. Faço o mesmo e acabo batendo as pedrinhas do colar que seguro contra o quartzo. O som do choque parece ressoar por todo quarto e eu observo com atenção o colar que tenho nas mãos. É um colar antigo com muitas pedras diferentes em toda extensão da corrente. Elas têm tom de azul, verde e amarelo, mas todas parecem brilhar com o tom de vermelho da maioria das pedras. O colar é uma daquelas joias artesanais que têm nome, de tão antigo que é: Aurora.

Pulo da cama e Juliana se sobressalta.

– O quê? – Ela pergunta, mas eu já saí do quarto e estou descendo as escadas.

Aurora. O céu que sangra.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora