E não sobrou nenhum - III

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1º de julho

Juliana

Eu posso sentir no ar que hoje é um dos bons dias. Eu sempre sei. Os dias ruins me deixa indecisa: Devo continuar na cama e evitar tudo ou devo sair daqui o quanto antes e garantir que ela fique bem? Mas os dias bons me fazem saltar da cama com vontade e correr para preparar tudo para ela.

Alexandra fica no quarto do lado do meu, que costumava ser de Miranda. Assim que voltamos à casa, Valentina tirou todas as coisas da irmã do quarto que era dela e disse que Alex poderia tomar o espaço vazio e decorar como quisesse. Quando está em posse de si mesma, minha irmã quase não tem forças para comer, quanto mais sair pela cidade escolhendo coisas para decorar seu quarto. Desta forma, seu quarto é mais uma enfermaria do que um quarto de verdade.

Bato na porta do quarto com delicadeza e a abro com cuidado quando não recebo resposta. Alex ainda está dormindo, fazendo aquele ruído estranho – que não é nem bem um ronco e nem o chiado que doentes fazem – que ela sempre faz quando dorme profundamente. Começo a recolher as roupas sujas espalhadas pelo quarto. Roupas que eram minhas, que compramos no aeroporto ou compramos em Bucareste. Alex estava presa na clínica de fachada, usando há meses a camisola da enfermaria. Ela fedia e o robe estava colado em sua pele. Seus cuidadores se preocupavam apenas em impedir que o parasita se manifestasse, não pensavam em seu bem-estar.

O parasita quase nunca se manifesta. Ele parece descansar constantemente, apenas puxando a energia de Alex, consumindo sua alma, fazendo com que ela se sinta doente, cansada, irritada. Ele é, afinal de contas, um parasita infernal. Quer consumir o corpo de sua hospedeira até destruí-la. Quer apenas se manter vivo.

– Juliana? – Ouço a voz frágil de minha irmã perguntar, depois de um tempo.

– Sou eu. – Respondo, enfiando as roupas na cesta e indo até ela.

Alex sequer abre os olhos. Está pálida e suada, mas ainda parece melhor do que estava ontem.

– Você pode trazer mais algumas daquelas frutinhas para mim? – Ela pede.

Sabia que hoje era um dos bons dias. Meu coração quase pula de felicidade. É estranho. Eu sei que por consumir pouco sangue – e não tomá-lo de ninguém à força – eu estou cada dia mais conectada com a minha alma, mas a volta de sentimentos tão puros quanto essa felicidade pelo bem estar dos outros não parece natural.

– Você não quer ir comer lá embaixo? – Peço. – Tomar um pouco de sol?

Alex abre os olhos amarelados e percebe que eu estou quase suplicando.

– Talvez mais tarde. – Ela responde. – Comer vai me deixar mais forte.

Concordo com a cabeça e digo que já volto, deixando o quarto. As frutinhas em questão são as tramazeiras que Rowan mandou. Foi Sophie quem sugeriu que Alex comesse algumas, já que mal não poderia fazer. Desde então, é tudo que minha irmã quer comer e as frutas têm mesmo parecido deixá-la mais forte.

Os dois corredores de cima estão vazios e no andar de baixo, só Kat, Ellie, Charlottie e as duas bruxas estão sentadas, mexendo nas caixas de tramazeiras, lendo e fazendo anotações coordenadamente. Pego uma caneca grande na cozinha e volto para a sala, pedindo por algumas.

– Como ela está? – Ellie pergunta, conforme enche a caneca de frutinhas para mim.

– Bem. – Respondo, suspirando. – Apenas cansada, como sempre. Pierre esteve por aqui? Queria que ela descesse hoje e Pierre é o único que a convence de fazer esse tipo de coisa.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora