Written in My Own Heart's Blood - IV

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20 de maio

A carta a chegar hoje foi de Juliana. De alguma forma, ela demonstrou uma irritação ainda maior que a de Olívia em ter que escrever uma carta à mão, mesmo que eu tivesse dito que ela não precisava ser tão literal. Só porque eu me recusava a usar celular ou computador na cabana, não queria dizer que eu não ia a Graz ver meus e-mails de vez em quando ou que eu não leria cartas digitadas em computador e impressas. Mas para o Exército, qualquer retorno ao passado é absoluto. Não consigo culpa-las por isso.

Juliana me conta que Alex deve começar a faculdade em setembro, com bolsa de estudos completa. Conta também das festas que tem dado, dos resultados das reformas das casas que ela herdou da mãe e de Louise, conta de todos os novos feitiços que aprendeu com bruxas da cidade e com os livros das Delacrois, além de me pedir que mande alguns dos livros que eram das bruxas de Cianne, que Kaylee disse a ela que poderiam ajudá-la. Finalmente, Juliana assinou a carta com Delacrois-Mayfair e colocou em um pequeno "P.S." que tinha conseguido oficialmente mudar seu nome para aquele.

A carta inteira aqueceu meu coração e fez com que eu sentisse uma pontada de saudades de Nova Orleans. Eu sei que nunca poderia montar pousada lá, como algumas das meninas fizeram, mas eu também sei que eu sempre retornarei, acompanhando a evolução da cidade, de década em década, de século em século, de milênio em milênio. O maior motivo para voltar sempre será o pequeno buraco em meu coração.

Na última semana antes da lua sangrenta, Ellie começou a falar sobre Porto Williams em nossas reuniões.

- Estamos falando de centenas de almas, presas à mesma maldição que eu carrego, mesmo sem ter nada a ver comigo.

- Você disse que eu poderia ajudar. – Olívia disse.

- A salvar a alma das Caídas, depois que eu me livrasse da maldição. – Ellie resmungou. – Essa maldição vem diretamente do Inferno e para todos os efeitos, só eles poderiam revoga-la.

- Sem chance disso ser verdade. – Sophie rebateu. – Nosso Exército é conhecido por achar brechas quando o assunto são maldições.

Eu estava deitada na cama de Anika, de barriga para cima, olhando as ilustrações na tapeçaria do dossel enquanto as ouvia falar, mas eu podia sentir os olhos de todas se virando na minha direção. Me ergui com os cotovelos e olhei diretamente para Ellie.

- O que você acha? – perguntei. - Nos livramos da maldição na lua sangrenta fazendo um pequeno favor para o Inferno, ou procuramos a forma mais complicada e independente de fazer isso, prolongando seu sofrimento?

Ellie me olhou nos olhos.

- Você sabe que não é comigo que eu estou preocupada.

- Você nunca nem esteve em Porto Williams, então eu duvido que seja com a cidade. – eu continuei.

- Claro que não, é com Rubí. – Sophie zombou, de onde estava.

Ellie tirou os olhos do meu para chicotear Sophie com o olhar mais gélido que ela já deu em anos. Vi suas mãos tremerem de leve e eu sabia que ela mataria Sophie por dizer aquela frase, se isso fosse possível. Ninguém teve coragem de reagir a isso e o quarto ficou em um silêncio absoluto enquanto Ellie se recuperava.

- Valentina. – ela rosnou, quando conseguiu. - Essa foi a palavra que Anika disse que mandou a criatura de volta ao Inferno, e nós sabemos o porquê. - O quarto continuou quieto, mas agora por outros motivos. - Valentina morreu tirando aquelas almas do Inferno pela ruptura. Ela se sacrificou salvando cada vampiro na Terra e agora está presa em uma cidade amaldiçoada, ao invés de conseguir paz. Eu tenho um corpo, química para me manter no lugar quando necessário. Se eu me canso de sentir, um choque forte o suficiente me faz desmaiar. As almas presas em Porto Williams, apenas sentem. Vocês podem imaginar? – Ela olhou para Kaylee, o que foi cruel. - Só sentir. Não poder fugir do sentir. – Em seguida, olhou para Sophie. – Charlottie está lá. – Para Juliana. – Louise foi poupada de qualquer maldição, mas poderia estar lá também. – E para Anika. – Valentina e Miranda. São nelas que deveríamos estar pensando, não no que é certo ou errado, porque isso nunca importou.

Ellie estava chorando quando terminou. Todas tinham os olhos presos nela. Eu me sentei confortavelmente e cruzei minhas pernas sobre a cama antes de dizer:

- Nós temos conversado há quase duas semanas sobre fazer ou não um favor para o Inferno, mas esquecemos do que precisamos fazer. – eu disse. – Nós precisamos fechar a ruptura. Precisamos mandar de volta criaturas como o parasita que esteve em Alexandra e matou Charlottie. Se o Inferno quer nos dar algo em retorno, isso é com eles e não significa que nós devemos nada a eles. Mas Valentina não se sacrificou para que eu, Ellie e Anika tivéssemos controle sobre a ruptura e uma parte do Inferno, mas para que a guerra acabasse e todas as coisas ruins que ela trouxe se fossem com ela.

Eu vi algumas cabeças se movendo ao redor da sala e partimos para votar se faríamos ou não. A votação foi unanime. Depois dela, Sophie pontuou que já que apenas as que tinham sangue de Valentina poderiam fechar a ruptura no Inferno, as outras precisavam de preparação para a batalha contra a Morte, mas Anika decidiu que essa discussão poderia esperar outro dia. Aos poucos, todas deixaram o quarto, as quatro que sabiam sobre Kaylee e ela própria restando no quarto.

- Posso perguntar algo a vocês? – Kaylee disse, quando percebeu que nós queríamos ficar por lá.

- Claro, Kay. – Ellie disse, apesar de engolir em seco, temendo qual fosse a pergunta.

- Que paz vocês podem dar às almas que estão em Porto Williams?

Ellie quase suspirou de alívio, cedo demais, naturalmente.

- Podemos manda-las para uma dimensão espiritual segura. – Ellie explicou - Uma onde as almas existem apenas como almas. Digo, Olívia pode.

Os poderes que Olívia ganhou de presente um pouco antes de descermos ao Inferno, no meu aniversário, são chamados de Toque do Céu. Em teoria, ela ganhou os três poderes que reservam a Deus: onipresença, onisciência e a tão completa onipotência. Na prática, ela não se tornou o próprio Todo Poderoso, mas ganhou acesso a coisas que não tinha antes – ela pode desejar estar em um lugar e realmente estar lá, de forma corpórea ou não. Quando ela vê ou descobre algo, ela realmente Vê e realmente Entende, todos os processos que levaram àquilo, todos os componentes da coisa em si. E é claro, ela também foi garantida todos os poderes terrenos, da magia de uma bruxa, a cura de vampiro ao acesso a outras dimensões do Réquiem.

Dizem que o Céu confere esses poderes a pessoas que possuem uma missão específica na Terra ou a pessoas que merecem ser abençoadas em seu caminho. O título de "A Freira" de Olívia foi justificado naquela noite.

- Você acha que poderíamos fazer isso com qualquer alma? – Kaylee perguntou, colocando os cabelos atrás da orelha.

Por um milésimo de segundo, eu vi as cicatrizes que não existiam mais em seus braços.

- Eu acho que sim. – Ellie disse, em um tom de confusão, como se não entendesse por completo.

Eu entendia.

- Você não pode fazer isso com uma alma que está controlando um corpo e mantendo ele eterno, Kaylee. – eu disse. – Não de forma definitiva. Quebrar sua ligação terrena por completo destruiria a alma e a levaria ao nada infinito.

Kaylee olhou para mim, os olhos escuros deixando claro que ela sabia que eu sabia. Fiz o máximo para implorar que ela não fizesse isso, mas ela não conseguia ver isso.

- Obrigada, Kat. – disse, saindo do quarto de Anika e deixando nós quatro sozinhas, com um aperto no coração.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora