Esqueletos no Armário - I

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Sentei no sofá e descansei os pés na mesa de centro. Abri o jornal que roubara de uma banca mais cedo. A primeira manchete já era o que eu queria.

"Enquanto a guerra continua, mal podemos acreditar nos horrores que encontramos. Corpos de dezenas de crianças foram enterrados em diversas áreas da cidade por pais desesperados, com medo da cena de apocalipse que foi pregada. Diversos homens foram presos, acusados de tirar dinheiro de famílias desesperadas, em troca de uma proteção que nunca foi lhes dada. A décima casa vazia foi arrombada e novamente corpos foram encontrados empilhados uns sobre os outros."

Sorri antes de continuar a ler. Aquela guerra havia sido a primeira que eu presenciara e a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo. Foram quatro anos de fartura e banhos de sangue sempre que eu queria.

"O povo antes enriquecendo em um país que crescia velozmente agora se vê em meio a uma miséria que lembra traumas antigos e seu desespero os leva a fazer coisas que cinco anos atrás consideraria impensável. Todos os dias, corpos frescos são encontrados em becos escuros, sem nenhum dos bens que em vida carregavam. Todos os dias, acompanhamos chocados crianças levando surras no meio da rua por roubarem comida. E todos os dias, nos escondemos, com medo de lutar por um mundo melhor, pois nos dias negros de hoje, qualquer briga pode tirar nossas vidas, pode agravar a guerra que vivemos por dentro e por fora."

Não sei quando caí no sono, mas acordei com batidas insistentes na porta. O jornal provavelmente havia me ninado até o sono. Imaginar cenas de massacre me faz dormir melhor.

Não fazia ideia de quem poderia estar à porta àquela altura. Já havia passado do horário em que vendedores batiam à porta e que a patrulha da cidade passava de casa em casa checando quais ainda eram habitadas ou habitáveis.

Achei que provavelmente eram conhecidos dos antigos donos da casa – que já tinham morrido há de 3 meses – e ignorei as batidas. Elas continuaram por vários minutos. Mesmo que quem fosse que estivesse lá fora soubesse que a casa não estava vazia, estavam muito enganados se achavam que eu ia abrir a porta para qualquer pessoa.

As batidas então se transformaram em agressão a porta. Cansada, encarei as janelas, pensando em qual era melhor para ver o visitante sem que ele me visse. Resolvi que a janela da cozinha servia. Me levantei e andei até a cozinha, mas antes que alcançasse a janela, congelei... A voz de choro, vinda da porta me congelou.

- Lottie, ouvrir, maman vient.

Eu não ouvia francês há muito tempo, mas reconheceria aquela voz em qualquer lugar... Só que, não era possível.

- Lottie, ouvrir. – As batidas aumentaram de intensidade e frequência. – CHARLOTTIE!

Sophie, meu coração cantou. Era Sophie. Eu tinha certeza. Mas faziam mais de 60 anos! Só se ela tivesse se transformado. Quem transformaria um fruto de incesto?

- Charlottie, eu juro por tudo que há de mais sagrado e de mais maldito... – Sua voz, falando então em alemão, soava angustiada, machucada. Nada como a voz de uma vampira. – Que se você não abrir essa porta, eu mesma abro! E você não sai daí de dentro viva!

Sorri com a ameaça, reconhecendo a minha forte irmã mais nova naquela voz cansada. Corri para a porta, abrindo-a antes que as batidas se repetissem.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora