E não sobrou nenhum - VI

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21 de julho

Tatiana

O som de vidro se quebrando é um dos meus sons preferidos no mundo. Todas as integrantes do Exército têm seu próprio habito destrutivo e este é o meu: Quebrar vidros e ouvir o som agudo que eles fazem ao se despedaçar. Sou acordada esta manhã, ainda entorpecida, com o som de vidro quebrando. Aliás, pelo som da casa de vidro inteira, se despedaçando.

Imediatamente, todo mundo que dormia no andar de cima acorda, e busca desorientado pela fonte da destruição. Todo mundo tem um corte em algum lugar e a dor do meu próprio corte se mistura à dor dos outros. Um choro alto vem do andar de baixo e todo mundo se move automaticamente na direção dele. Sou uma das últimas a chegar na sala e preciso me esticar para ver o que está acontecendo.

No meio da sala, em um círculo sem estilhaços estão Sophie, Alexandra e Charlottie. Sophie chora, alto, com o corpo sangrento da irmã pressionado contra o peito. Charlottie ainda tem os olhos abertos, sem vida, encarando o teto. Alexandra está jogada no chão, acho que ainda respira, mas está cercada de uma substância espessa, escura e nojenta.

– O que você fez com ela?! – Juliana pergunta, se jogando na direção da irmã.

Sophie simplesmente rosna, apertando a irmã com mais força. Continua chorando. Seu choro é tão intenso e suas lágrimas tão profundas, que carregam sua dor para a parte vazia de mim. Ela está nos enfeitiçando. Chorando de forma a fazer com que a dor dela seja nossa também.

– Sophie. – Ellie diz, tentando se aproximar. Seus olhos estão cheios de lágrimas também e se Sophie não parar, Ellie logo cairá em um choro muito mais profundo que o de Sophie poderia ser. – Deixe-a ir.

– SAIAM. – Sophie responde. – SAIAM AGORA.

Saímos. Não há nada que possamos fazer contra ela ou o poder que ela está emanando agora. Ellie puxa Amelie pelo cabelo para o lado de fora, Pierre ajuda Juliana com o corpo inerte de Alexandra e saímos todos da casa, inclusive as donas dela e sua tia. Ficamos do lado de fora, olhando a estrutura da casa de vidro, agora apenas vigas de ferro, uma escada e a estrutura dos pisos. Estamos assustadas, mais do que estivemos em muitas outras situações. Não tememos o Inferno, eles já fizeram conosco o pior que poderiam fazer. Sophie é uma força própria e ela ainda está longe de alcançar seus limites.

Anika e Valentina estão abraçadas a Ellie, que afaga seus cabelos como se buscasse proteção nelas também. Kat encara o interior da casa com os braços cruzados, desafiando eu não sei o quê. A família de Persephone está alheia em um canto, como se não tivessem nada a ver com o que está acontecendo. Kaylee e Olívia estão paradas ao lado delas, as mãos às costas, se movendo nervosamente. Juliana, Louise e Pierre tentam acordar Alexandra de alguma forma. Eu, estou afastada, assustada. As coisas que vi e ouvi no Inferno voltando a mim em pequenos flashs. Cada vez que um deles vêm, eu me sinto cansada, mas logo em seguida, regenerada, como se algo novo existisse em mim. Vejo algo que me faz me virar para Pierre. Ele está me encarando, viu a mesma coisa. Sinalizamos com a cabeça um para o outro silenciosamente. Segredo por enquanto.

Sophie sai da casa, sem o corpo da irmã, depois de quase meia hora e nós nos movemos quase que automaticamente na direção dela. Não sabemos o que mais fazer, então tocamos nossas pedras, em silêncio, como reverência. Sophie tem uma expressão de desprezo. Em um segundo, ela faz um sinal com as mãos e coloca fogo na estrutura da casa atrás dela.

– Sophie! – Persephone finalmente reclama.

Sophie rosna em resposta e se aproxima de Ellie, caindo em seus braços. Ellie entende o sentimento desesperador que atravessa o corpo de Sophie e a consola em silêncio. Não vejo o que mais acontece; sou distraída pelas labaredas que tomam o que restou da casa de vidro.

Grandes colunas de fogo são necessárias para destruir por completo uma casa feita de ferro e vidro. Colunas quentes, cuja temperatura segue aumentando, alimentadas pelos sentimentos intensos e dolorosos de Sophie. Mesmo sabendo que o fogo está quente e sentindo sua temperatura, eu não sinto os efeitos da temperatura em minha pele.

Esse pensamento e o fato de que Ellie grita meu nome com a mesma intensidade que gritou quando eu fui para o Inferno, me despertam do transe. Eu percebo que estou dentro da casa e que minhas roupas estão pegando fogo, mas eu não.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora