Esqueletos no Armário - III

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Nova Iorque

1º de agosto

Diário de Kat

Resolvemos não voltar a caçar antes de chegarmos a nosso destino final. Não havia porque adiar a viagem se todas nos sentíamos bem alimentadas e descansadas. Algum bem a prisão havia feito, aprendemos a controlar a sede de sangue pelo maior espaço de tempo possível.

Nova Iorque é uma cidade surpreendente. Entrar nela foi descobrir todos os avanços que perdemos nos últimos 17 anos. Grande parte das casas da cidade tem luz elétrica, um avanço que nem consigo descrever. Mas a maior e mais importante novidade de todas é uma que nós, simples vampiras adolescentes, jamais poderíamos imaginar e muito menos prever: O mundo está em guerra.

- Como assim o mundo inteiro está em guerra? – Ellie pergunta, da cozinha do pequeno apartamento (ah, agora é comum que casas sejam construídas uma em cima da outra e não mais lado a lado) que invadimos quando chegamos à cidade. Resolvemos que algumas semanas na cidade, aprendendo algumas coisas e descobrindo o novo mundo, não mataria ninguém.

- Bem, não o mundo inteiro. – Eu respondi, cansada. – Só a parte do mundo que interessa para nós.

Eu não esperava uma guerra humana àquela altura do campeonato. Principalmente uma que já durava três anos e tinha como nome "A Grande Guerra".

- Pelo que eu soube, tudo começou por causa de um assassinato na casa real austríaca.

Isso chamou a atenção de Anika, que relaxava preguiçosamente no chão quente.

- Quem?

- Ferdinand, o antigo herdeiro da coroa. – Respondi, tentando continuar a história.

- Que diabos aconteceu com Rudolph?

Eu nem me lembrava que ela ainda não sabia. Nós quisemos manter Anika longe das notícias sobre os Habsburgo nos primeiros anos de sua transformação, por medo de que ela resolvesse aparecer por lá. Suspirei antes de responder:

- Sophie o matou.

- O QUE?

Sophie caiu na gargalhada e eu retomei.

- Isso não é importante!!! – Disse, com toda ênfase – O antigo imperador até já morreu, Karl reina lá agora. A questão é que agora Alemanha, Áustria-Hungria e Itália estão em guerra contra Inglaterra, França e de certa forma, Estados Unidos (já que a Rússia saiu da guerra para se concentrar em sua própria guerra civil) por diversos motivos que na verdade nada tem a ver com quem reina ou deixa de reinar na Áustria.

- A guerra está assolando o território inteiro? - Naomi perguntou.

Concordei com a cabeça.

- Principalmente o norte da França.

Sophie parou de rir.

- Verdant...?

- Inclusive. - Concordei.

- Precisamos voltar. – Ela disse, com veemência.

Todas ficamos entramos em um silêncio repentino, como acontece sempre antes de começarmos a discutir a plenos pulmões. Dessa vez, no entanto, o silêncio durou tempo demais, porque nenhuma de nós sabia o que dizer.

Eu sou mais velha que todas as vampiras do Exército e nunca havia vivenciado uma guerra, pelo menos não uma séria e, obviamente, jamais uma daquela dimensão. Claro que a carnificina atrai vampiros tanto quanto atrai moscas, mas não sabemos as consequências que o envolvimento com uma guerra poderia trazer.

Não erámos mais demônios sem alma, sem nada a perder. Não desde Deyah. Especialmente não desde que Pierre foi embora e eu resolvi que não tinha opção além de aceitar a missão de Deyah. Nós somos seres com um destino. Precisávamos sobreviver e ainda consertar alguns danos em nosso Exército antes de qualquer coisa.

No fim, resolvi que Sophie estava certa.

- Sim, precisamos. – Concordei. – E nosso primeiro destino será Verdant.

Oceano Atlântico

6 de agosto

Diário de Kat

Achar um porto foi fácil e um navio que seguia para a França, mais fácil ainda. Decidimos quase sem discussão que ir embora de Nova Iorque era um mal necessário, por mais que tivéssemos adorado a cidade. Ficamos na cidade mais um dia apenas para comprar roupas novas. É incrível como a moda muda rápido hoje em dia e chega a ser irritante ter que comprar roupas novas o tempo todo, mas é um mal necessário. Nossa beleza infernal impede que não sejamos notadas e usar roupas que estão de acordo com isso nos ajuda a nos camuflar nas cidades onde entramos.

O navio que invadimos estava levando mantimentos para uma cidade que ficava a alguns quilômetros de Verdant. Conseguimos alguns jornais novos e antigos para estudar as condições da guerra e enquanto decoramos os fatos mais notáveis da Grande Guerra, Kaylee lia este diário descobrindo alguns detalhes que ainda não conhecia sobre o Exército.

Ao contrário de Naomi, Kaylee não tinha perguntas depois de ler tudo. Tudo que descobriu guardou em algum lugar quieto dentro de si, e, ao terminar a leitura, se juntou a nós na organização dos fatos da guerra. Foi só quando decidimos nos alimentar outra vez que Kaylee fez algo que surpreendeu e abalou todo o Exército: Negou-se a caçar outra vez.

- Kaylee, você sabe que pode e deve ser sincera comigo, não sabe? – Eu disse, depois de enviar as meninas para a caça.

Estávamos sentadas no chão escondidas entre as cargas. A noite já estava alta e a escuridão reinava dentro do navio. O mar estava calmo, mas mesmo marolas me assustavam. Havia acabado de ler um jornal de 1912, sobre o que acontecera com o Titanic.

- Sei, Kat.

- Então me explique: por que diabos você não quer se alimentar?

Ela não olhou para mim, continuou encarando as sombras das caixas de madeira.

- Quem disse que eu não quero? Simplesmente não estou com sede.

- Essa é boa, Kay. Vampiras sentem sede o tempo todo e você já está sem se alimentar há semanas.

- Certo. Então eu realmente não quero.

- Por isso pergunto outra vez: Por que?

- Porque não há necessidade.

Suspirei.

- Kaylee. Por favor.

Ela ficou em silêncio por um bom tempo, mas eu podia ouvir sua mente trabalhando enquanto ela procurava as palavras certas.

- Eu... Já destruí toda uma cidade, Kat. Não sei se quero matar mais pessoas.

A frase me surpreendeu, não posso negar. Nunca ouvira falar de uma vampira que fosse contra matar pessoas. E nem imaginava que Kaylee fosse ser a primeira vampira assim. Nas últimas semanas, Kaylee havia se tornado a amiga mais próxima de Ellie, depois de Sophie e eu, naturalmente. Mas como Sophie tem estado mais em alucinações do que conosco e eu tenho muito a resolver, Ellie tem passado mais tempo com Kaylee do que com qualquer uma de nós. Sendo influenciada por Ellie, o esperado era que Kaylee se tornasse uma arma de destruição em massa, como Ellie, e não uma... Vampira com medo de ser vampira?

Balancei a cabeça e olhei para ela.

- Você não precisa matar. Só se alimentar um pouco e hipnotizar a pessoa para que ela não se lembre disso. Eu já fiz isso algumas vezes.

Ela concordou com a cabeça.

- Provavelmente farei isso. Mas não ainda. Vocês suportaram vários meses, certo? Eu também consigo.

Suspirei, pensando que realmente não haveria como convencê-la por enquanto.

- Certo, você quem sabe.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora