Vigésimo quarto dia (parte dois)

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Com a ajuda do Mauro e do Lucas consegui adiantar a passagem da Daniela e ela iria embora hoje. Seria melhor assim. Depois do ocorrido de hoje de manhã, ela se trancou no quarto o restante do dia e não saiu nem pra comer, não queria que fosse assim, mas sei que seria melhor assim.

Eu quis levá-la no aeroporto sozinha, acredito que precisávamos conversar e com os meninos ou até mesmo a Carol não seria da mesma forma.

Ela veio quieta durante todo caminho, olhava pela janela as luzes da cidade. Eu coloquei uma música baixinha e cantarolava pra mim mesma. Sei que aquilo a irritaria e logo ela abriria a boca.

Como eu pensava, ela começou a ficar inquieta, batia com os dedos, mexia as pernas e eu sei que era questão dela falar algo.

- Da pra parar? - Ela gritou.

- Não grita comigo. - Disse.

- Você passou o dia inteiro me irritando e não quer que eu grite?

- Na verdade só nos falamos de manhã e agora antes de sair. - Disse calma.

- Você é muito hipócrita. Aposto que com 17 anos morando aqui longe dos nossos pais você fazia muito pior. - Ela disse.

- E eu fazia mesmo. Em toda sua vida você não vai fazer nada parecido com o que eu fazia.

- E fez esse escândalo todo.

- Mas eu não tinha uma irmã mais velha que me orientasse. - A olhei pela primeira vez e vi ela se acalmar. - A adolescência é a melhor época, mas pode ser a pior e com consequências pro resto da vida.

- Papo de gente chata. - Ela bufou e cruzou os braços.

- Eu sei que é chato, a vida é chata. Ou você pensa que é como nos filmes onde tudo fica bem no final? Se você não ouvir essas coisas chatas o seu futuro vai ser tudo menos feliz.

- Eu só transei Isadora. - Ela disse.

- Você só transou com um cara que nunca viu na vida. E se você pegasse uma doença?

- Você pegou? - Ela me olhou.

- Você vai ouvir isso de mim só uma vez e vai esquecer pra sempre. - Respirei fundo. - Poucas pessoas sabem disso, mas eu me apaixonei uma vez e ele foi um babaca comigo.

- O Will?

- Também. - Ri e ela também. - Mas não é dele que eu tô falando. Foi antes, eu tinha uns 16 anos. Ele me mostrou o mundo sabe, eu estava aqui a pouco tempo e antes na casa dos nossos pais eu não podia fazer nada. Você sabe como é.

- Sei.

- Eu fui a festas, comecei a beber, a transar, conheci pessoas, fui a lugares diferentes, comecei a fumar. - Suspirei pesado. - A usar drogas...

- Você já usou droga? - Ela perguntou com a voz estridente.

- Eu disse que você ia esquecer. - Disse olhando pro volante.

- Tudo bem e o que aconteceu?

- Aconteceu que um dia eu achei que estava grávida.

- Você já esteve grávida? - Ela gritou.

- Não, mas com 16 anos a menstruação atrasa um dia e a gente acha que tá grávida.

- Eu não sou assim. - Ela disse ofendida.

- Ah tá espertona. - Debochei.

- Tá e o que aconteceu com ele? - Ela parecia que estava ansiosa.

Respirei fundo e continuei.

- Ele mandou abortar e sumiu. Nunca mais encontrei ele. - Contei e vi a expressão da Daniela mudar.

- Ele é um idiota.

- Existe centenas. - Dei uma pausa. - Milhares de caras como ele por aí.

- Sim, mas parece coisa de filme, é difícil acreditar que exista gente assim.

Parei o carro no estacionamento do aeroporto e me virei pra Daniela.

- Eu queria ter tido uma irmã mais velha na época pra me ajudar lidar com isso. - Disse.

Daniela olhou para seus dedos por alguns segundos em silêncio. Era como se ela estivesse entendendo o que eu quis dizer.

- Desculpa. - Ela cochicou.

- O quê?

- Desculpa. - Ela pediu outra vez.

- Não ouvi ainda. - Debochei.

- Ah não fode, Isadora. - Ela gritou. - Desculpa, eu sei que é importante ouvir os conselhos dos mais velhos. Eu não devia ter feito aquilo com você e seus amigos.

- Sabe Dani, você é muito mais madura que eu. Sei que naquela época não reconheceria meu erro como você fez. - Disse.

- Será que você me perdoa? - Ela olhou meus olhos.

- Claro. - Sorri.

- Vamos voltar pra sua casa então e eu vou embora no dia que eu disse que iria.

- Boa tentativa, mas acho melhor você voltar nas suas férias do ano que vem.

- Ok. - Ela disse desanimada.

Descemos do carro, pegamos suas malas e fomos em direção do portão de embarque. O vôo dela sairia em 10 minutos e ambas já sentíamos o peso da despedida. A hora de nos despedirmos de vez chegou e surpreendentemente a Daniela me abraçou.

- A gente tem pouco tempo então deixa eu falar. - Daniela começou a falar rapidamente. - Eu lamento muito, muito mesmo pelo que você passou, mas existe muita gente que vale a pena ainda. A Carol é sua amiga vale a pena, os meninos, mas principalmente o Lucas. Ele parece gostar muito de você e eu sei que você também gosta dele, então deixa de ser chata e abre esse coração logo.

- Daniela seu avião vai partir. - Disse mudando de assunto.

- É verdade. - Ela pega sua mala de mão e sai correndo arrastando a outra. - Tchau mana, te amo e sei que você ama o Lucas.

Ela grita e enquanto corre pra pegar o avião, eu rio do jeito maluquinho dela enquanto sinto uma tristeza muito grande me invadindo de ver minha pequena ir embora.

Não sei lidar com despedidas, a tristeza sempre acaba me invadindo. Fiquei da janela vendo o avião dela decolar, sentindo como se meu coração partisse junto.

Peguei meu carro e fui pra casa, mas antes passei no mercado e comprei sorvetes, queria aproveitar esse clima de ressaca e despedida com meus amigos.

Entrei pela porta e encontrei Lucas atirado no meu sofá, Christian no outro, Carol e Mauro sentados no chão, assim que me viram ficaram os quatro em silêncio como se esperassem que eu dissesse alguma coisa.

- Nós fizemos as pazes. - Disse e os quatro comemoraram.

Pegamos os potes de sorvete e nos sentamos os quatro no chão enquanto comíamos e conversávamos. Carol foi dormir cedo porque iria trabalhar no dia seguinte, Christian também foi, Mauro e eu lavamos a louça enquanto o Lucas nos olhava.

Assim que terminamos Mauro foi deitar e ficamos apenas Lucas e eu na cozinha, ele me olhava e eu sabia que queria algo.

- Fala logo porque eu vou dormir. - Disse e ele me olhou como se não entendesse. - Não faz essa cara de sonso.

- Tá bom. - Ele revirou os olhos. - Como a sua irmã foi embora agora e o Mauro está aqui eu queria saber se tem como eu dormir no seu quarto. - Ele olhava para os dedos. - A gente já dormiu juntos algumas vezes e o Mauro tá tendo que dormir no chão, então eu pensei...

- Tudo bem, Lucas. - O Interrompi.

- O quê?

- Tudo bem Gatinho. Pode ficar no meu quarto.

- Sério?

- Se perguntar mais uma vez eu vou dizer que não.

- Tá bom, gatinha. - Ele me abraçou, deu um beijo na minha bochecha e saiu caminhando rápido pro quarto onde ele dormia com o Mauro.

Meu medo era que ele entrasse na minha vida, mas tava na cara que eu não tinha mais como impedir isso.

Opostos - T3ddyOnde histórias criam vida. Descubra agora