Chá

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— Quem vai comprar? — Enji perguntou sentado na mesa do seu imenso escritório.

— A Comissão. — seu assistente falou claro e límpido. — Compraram todas as ações dele de uma vez.

Enji cruzou os braços sobre o peito e perguntou sério:

— Como eles conseguiram?

— O menino de ouro deles convenceu Sr. Toshinori.

Foi a primeira vez que ouviu falar de Kei nesses meses e ele tinha acabado de dar um golpe travesso na sua empresa. Ele fez de propósito?

— Gostaria de saber como. — o assistente divagou.

Enji não precisava que lhe explicassem como Kei convenceu o homem.

— Então, jogue os papéis do contrato fora. — Enji disse voltando à própria papelada.

O assistente deixou a sala imediatamente e assim que o fez, Enji tirou os olhos dos documentos e observou a vista panorâmica que as amplas vidraças davam para a cidade a baixo. Há quanto tempo não via Kei? Ele devia estar com alguém… esse alguém especificamente era Yagi. Ele voltou correndo para o homem assim que Enji lhe deixou. Pela única vez na vida, Enji ficou em primeiro lugar em alguma coisa contra Yagi.

Kei deve ter procurado o Nº1 assim que Enji lhe deixou, eles devem ter se resolvido e Yagi foi facilmente convencido a vender as ações para o conglomerado da Comissão. Então, podia imaginar Kei enlaçado nos braços magros de Yagi enquanto esse se curvava à todas suas vontades.

Talvez os dois se dêem bem por um longo tempo. Enji desejava felicidades a Kei. Então, Enji seria apenas uma memória indesejável e incômoda que desvaneceria aos poucos… remoeu esses pensamentos por tempo indeterminado. Kei feliz, Kei sorrindo, Kei agarrado a Yagi, Kei o esquecendo… o que ele faria enquanto isso? Enji não conseguia imaginar.

Reatar o casamento estava fora de cogitação, Natsuo e Shouto o odiavam, se Touya estivesse vivo também o odiaria, Fuyumi se muito esforçava para não odiá-lo, o que sobrou para Enji? Além do primeiro lugar que nem sequer conseguiu conquistar pelos próprios esforços?

“A vida é mais que trabalhar”, podia ouvir a voz preguiçosa de Kei num sorriso lânguido. Quem tentava enganar? Pensava todo dia no loiro. Pensava nele quando estava sozinho, pensava nele nas refeições, pensava nele antes de dormir e pensava nele quando via a vista panorâmica porque toda vez em que ele se encostava na varanda do apartamento ficava absorvido contemplando o horizonte. Pensava em Kei sempre assim como pensava nos seus olhos dourados perfurando-o diretamente. Nunca mais veria aqueles olhos.

O casamento todo foi um erro, mandar Touya naquele dia foi um erro. Há coisas sem conserto em que só se deve lidar com as consequências. Não dá simplesmente para voltar no tempo e acertá-las ou fingir que não aconteceram. Kei seria uma delas? Enji se arrependeria para sempre se não descobrisse.

Kei não estava em lugar nenhum, Enji o procurou naqueles bares horríveis, em fast-foods próximos do apartamento e no próprio apartamento. Mas nada de Kei, então tomou uma decisão dolorosa que apenas atestava seu estado de perderdor.

— Enji! — Yagi abriu a porta para recebê-lo.

— Olá. — Enji foi seco e já estava com os braços cruzados sobre o peito tentando controlar a irritação ao mesmo tempo em que tentava espreitar sobre o a figura esguia do homem doente cobrindo a porta.

— Veio me visitar? Quer um chá? Acabei de fazer.

Enji se questionou se entraria ou não na casa simples e procuraria Kei por todo os cômodos.

— Pode entrar. — Yagi acenou enquanto foi pegar o bulê de chá e os copos. — Engraçado, eu comentei sobre você um dia desses e você apareceu! Que coincidência!

— Sim. — Enji deu um passo desconfiado para a área interna. A todo momento imaginava Kei saltando de algum lugar para assustá-lo.

Analisou todos os cantos da sala de estar e nenhum indício de Kei.

— Veio aqui comprar minhas ações? — Yagi foi direto ao servi-los do chá escaldante na mesinha de centro.

— Eu soube que você já as vendeu. — Enji pegou um copo e bebeu sem se incomodar com o calor. — Para a Comissão.

— Sim, eles fizeram uma boa proposta e Kei foi muito prestativo.

Enji bateu o fundo do copo na mesa:

— Ele está aqui? — Encarou no fundo dos olhos de Yagi.

— Não? — o magro ficou extremamente confuso. — Por que ele estaria?

— Tem certeza? — Enji estava muito sério quanto ao assunto.

— Tenho? — Yagi não entendia nada do que acontecia. — Ele veio aqui há três dias me dar os papéis. Sabe, ele falou de você!

— Falou?

— Sim, que vocês não se falavam mais. — Yagi pareceu triste com isso. Então ele não sabe sobre Kei e eu… — A gente até falou sobre casamento também.

— O quê?! — Enji se segurou para não cuspir o chá com o susto.

— Sim, mas não acho que Kei queira casar.

— E você? — o empresário estava assustado. Kei casaria com Yagi?

— Ah, eu já passei da idade para isso! — o homem desconversou nervoso. — Eu devia ter casado cedo que nem você. Mas não me vejo fazendo esse tipo de coisa. Deve ser muito bom ser casado há tanto tempo! Como vai a Rei? Ela está melhor?

— Nós vamos nos divorciar. — Enji falou de repente deixando escapar.

— Sério? — Yagi ficou sem graça. — É, nem tudo é para sempre. Bom, quem sabe se Kei casar a história não seja outra?

— Hm. — Kei não vai casar com ninguém. A lei não deixa. — Você sabe onde ele está agora?

— Não faço a mínima ideia. Por que você não liga para ele?

— Preciso ir. — Enji se levantou de supetão do sofá. — Se Kei aparecer por favor não diga que eu vim aqui.

Yagi ficou atordoado com a decisão repentina de Enji, porém torcendo para que ambos voltassem a ser amigos. Eles pareciam ter uma amizade muito bonita entre gerações.

Enji tentou ligar para Kei diversas vezes, mas todas as tentativas davam em fora da área de cobertura. O garoto desligou o celular. Já anoitecia e o homem não sabia mais onde procurar, voltou ao apartamento, apertou a campainha até o dedo ficar dormente, mas nada de Kei aparecer. Ou ele não estava lá dentro ou fazia um ótimo trabalho em ignorá-lo. Resolveu que em algum momento Kei sairia ou voltaria para casa, sentou encostado na porta.

As horas passavam e nada do loiro aparecer, Enji aproveitava o tempo para pensar no que diria: eu vim conversar com você sobre aquilo, eu errei, mas quero compensar as coisas e quero voltar se você deixar. Repetiu inúmeras e inúmeras vezes o discurso. O casamento não deu certo, nunca deu, eu estraguei tudo. Não quero estragar tudo com você também. E se Kei chegasse acompanhado? E se Kei chegasse com aquele tatuado ou pior, com algum conhecido seu? Enji diria de qualquer forma: por favor, me aceite de volta. Faço o que você quiser. E se ele não quisesse? Enji iria embora e não o incomodaria mais. Qualquer coisa.

Acharam que acabou?
Tem mais um capítulo para hoje!

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora