Bonança

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— Acho que vim neste distrito poucas vezes. — Kei falou enquanto o portão era aberto.

— É um distrito mais tradicional. — É claro que Kei jamais viria aqui várias vezes, não tinha nenhum bar. Apenas mansões japonesas enormes e a maior que ocupava quase um quarteirão era a que entravam agora.

O táxi cruzou os portões que fecharam logo em seguida, Enji pagou o motorista com uma bela nota e o dispensou em seguida. Dispensou também os seguranças e empregados, seriam somente os dois na casa hoje.

O táxi partiu, Enji abriu e fechou os portões de novo com o controle que tinha no bolso enquanto Kei esperava se protegendo da chuva na entrada onde os seguranças ficavam. Enji foi até ele com o guarda-chuva e ofereceu a mão:

— Venha.

Os olhos dourados de Kei brilharam como o sol depois daquela chuva perfurando as nuvens escuras. Ele aceitou a mão de Enji que entrelaçou os dedos nos dele.

Juntos foram para a entrada da casa, Enji tirou os sapatos e Kei os coturnos, deixaram o guarda-chuva secando na entrada assim como o sobretudo de Kei.

— Uau. Olha essa madeira. — Kei falou agachando-se. — É tão durável e boa de pisar. Como é possível?

— Eu escolhi ela na última reforma. Antes era da cerejeira que meu bisavô cultivou.

— Espera! Estamos na sua casa?! — Kei ainda agachado ergueu o rosto para ele.

— Sim.

— Mas e os seus filhos? E os empregados?

— Meus filhos não vêm muito aqui e dispensei todos os empregados hoje.

Seu passarinho ficou boquiaberto.

— É sério? Você me trouxe para a casa em que cresceu?

— Eu não cresci nessa casa, meu avô vendeu ela quando jovem e eu comprei de volta anos depois quando casei.

— Mas isso é incrível do mesmo jeito! — Kei deu um salto para ficar de pé que Enji achou inacreditável. Parecia um pássaro tentando alçar vôo. — Quer dizer que seus filhos cresceram aqui? Uau! É incrível!

— Não tem nada de incrível. Nenhum dos meus filhos foi feliz aqui, nem a minha esposa, essa casa nunca fez ninguém feliz. Mas se faz você feliz visitá-la então ela finalmente valeu de alguma coisa.

— Oh, grandão! — A expressão de Kei era cheia de compaixão que Enji não achava que merecia. Desviou o olhar dele. — Você me faz muito feliz.

Kei aproximou-se e segurou suas mãos levando-as para o próprio rosto. Fechou os olhos ao dizer deixando Enji apreciar a maciez da pele morna:

— Você não tem ideia do quanto me faz feliz desde o dia em que te conheci. — As mãos de Kei descansavam sobre as dele, acariciou suavemente as bochechas do garoto com os polegares. — Você só me faz feliz, Todoroki Enji. — Abriu os olhos e sorriu tão delicado quanto o carinho que recebeu e dava.

Enji inclinou-se e depositou um tênue beijo nos lábios de Kei com medo de que se fosse mais intenso o momento se partiria e o garoto sairia correndo de seu alcance como já deveria ter feito. Ficaram assim por mais alguns segundos apenas apreciando a existência um do outro.

Kei suspirou encantado e disse sereno, porém determinado:

— Me mostre o resto da casa. — Enji se segurou para não suspirar também.

A chuva lá fora caía com força enquanto Enji falava dos cômodos internos e da história de cada um deles.

— Você tem ancestrais samurais?! Não é à toa que essa sala de kendo é enorme. — Kei dizia bem no meio dos tatames.

Kei fascinava-se de forma absurda com tudo que Enji dizia, ficava tão empolgado que deixava o homem mais velho constrangido. Não só animava-se com as grandes histórias como também com os pequenos detalhes.

— Olha só essa porta shōji, meu rei! — Kei abria e fechava a porta de correr com tanto entusiasmo que parecia ser a coisa mais extraordinária do mundo. — Olha como desliza bem! Está vendo? Que papel bonito! Olha!

— Eu sei, Kei. Eu moro aqui.

— Ha! — Ele não parava de correr a porta.

Teve que fazer uma intervenção para continuarem o tour. Levou Kei para a cozinha.

— Uau! Não me surpreende que saiba cozinhar tão bem! Isso é um forno à lenha?

— Sim!

— O que é isso?! — Kei pegou um eletrodoméstico nas mãos e o ergueu para analisar melhor.

— Uma máquina de chá.

— Uma máquina de chá?! Uau! — Kei deu mais uma olhada e a colocou de volta no lugar. Kei parecia alguém que teve a casa reformada como naqueles programas em que assistia, só que não havia nenhuma reforma e a casa não era dele.

Ele começou a dar batidinhas na madeira de sândalo dos armários. Pegava qualquer objeto e dizia “uau”. Fez isso com todas as facas e porcelanas.

— Olha, parou de chover. — Kei viu pela porta aberta e deixou a sexta tigela de porcelana de lado. — Podemos ver o jardim? O jardim parece incrível também.

— Podemos. — Haviam árvores centenárias lá. Kei poderia se pendurar em casa galho e dizer “uau” para cada folha.

— Uau! — Enji acompanhou Kei para os jardins.

Andavam pelo caminho de pedras, as gotas das chuva brilhavam nas folhas e o cheiro de terra molhada inebriava Enji. Ficou surpreso ao ver que Kei entendia um pouco sobre árvores japonesas e conseguia diferenciar as espécies de salgueiros, o que era memorável para alguém que achava que nabo era a mesma coisa que inhame e cheiro-verde perfume.

— Tenho que ter assunto com os sócios viciados em decoração exterior japonesa. — Kei explicou sorrindo.

Kei no seu casaco e sorrisos combinava com todo aquele verde brilhante da chuva que durante muitos anos Enji achou sombrio. O sorriso dele iluminava todo o local.

*Portas shōji são aquelas portas japonesas de madeira e papel translúcido que vemos em animes.

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora