Café da manhã

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— Hawks? É você? — Natsuo reparou no rapaz tirando o energético da máquina de bebidas.

— Ah, oi. — Kei parecia em outra órbita, como alguém que voou muito perto do sol, usava o casaco azul escuro da primeira vez que se encontraram com a gola levantada e óculos escuros. — Como vai? — Abriu a lata do energético e tomou um gole da bebida gelada no dia mais gelado do ano até agora.

Natsuo queria perguntar como Kei ia, ele parecia outra pessoa ou ao menos com outra camada cubrindo-o. O tom casual despreocupado era o mesmo.

— Quer um? — Kei lambeu os lábios e apontou para a máquina de bebidas. — É por minha conta.

Antes que o motoboy pudesse responder, Kei já tinha enfiado uma nota na boca de metal e apertado os botões.

Kei parecia… cansado. Natsuo desconfiou que a pele escondida embaixo dos óculos era fina e cinzenta e talvez os olhos estivessem inchados. Não parecia Kei de qualquer forma.

— Você trabalha por aqui? — Kei lhe deu a latinha tão fria que queimou as pontas dos dedos.

— Sim, uma das sedes da empresa é por aqui. — Aquilo que Kei bebia era pura cafeína. — Eu faço entregas por toda a cidade.

— Legal. — Kei levou a boca rosada pelo frio para o alumínio da latinha.

— Você mora por aqui? — Natsuo arriscou e trocou de mão para o frio da latinha parar de incomodar. Kei não parecia sentir.

— Não, não. — Kei sorriu, mesmo naquele estado ele era lindo sorrindo. Lindo de um jeito doente e preocupante. — Fui trazido por uma festa aqui.

— Festa? — Comum. Esse era um distrito cheio de bares noturnos.

— Encontrei com um pessoal que conheci num bar, quando vi já tínhamos passado por uns três bares e acordei numa caçamba de lixo.

Foi como levar um soco. Natsuo ficou boquiaberto, Kei não cheirava a bebida, mas tinha todas as características gritantes de quem pernoitou na rua. O loiro riu:

— Brincadeira. Não parei numa caçamba de lixo. Fiquei pelo bar mesmo comendo amendoim.

— Você está bem?

— Estou, só esse gosto de amendoim que não sai da boca. — Kei tomou mais um gole.

Não foi isso que eu quis dizer, Natsuo pensou. Mas ao invés disso falou:

— Você sumiu dos jogos.

— Ah, ando ocupado. — Kei disse desanimado. — Você sabe onde fica o metrô aqui? É a primeira vez que venho nesse distrito e vim de táxi.

— Eu posso te dar uma carona para casa. — Kei claramente estava no fundo do poço. Alguém que ele era amigo morreu? Algo aconteceu no trabalho? Levou um fora de um relacionamento de anos?

— Nah — desconversou —, vai atrapalhar o seu trabalho e eu não vou para casa ainda.

— Onde você vai? Posso te deixar lá. Meu turno já acabou. — Natsuo se perguntou se não estava sendo impertinente demais ou óbvio demais.

— Boa pergunta. Eu não tenho a mínima ideia. — Kei falou muito sério o que preocupou Natsuo. — Eu só ia sei lá, ficar no metrô até dar vontade de sair.

— Você não pode fazer isso.

— Por que não? — Kei bebeu mais um pouco do café gelado. — Não é ilegal.

— Quero dizer que é estranho e triste.

— Nunca fui normal. — Kei disse e se virou para pegar mais uma bebida da máquina. Ele nem tinha acabado a primeira ainda. — E não é como se eu estivesse na melhor das fases.

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora