Satoshi

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A mãe não parava de andar de um lado para outro na sala, os lindos cabelos dourados seguindo-a como a calda de um cometa que Keigo viu em um documentário na noite anterior. Há horas ela ia e vinha por todos os cômodos revirando tudo de novo e de novo, grunhindo frustrada nas suas buscas infrutíferas, agora ela estava levantando mais uma vez as almofadas do sofá com o celular na mão e a televisão ligada atrás num canal de variedades de plano de fundo. Estava quase começando o desenho favorito do menino, mas ele sabia que o melhor era não fazer nada que chateasse a mãe, por isso estava abraçado com seu bonequinho num canto do cômodo.

— Nada! Nada! — a mãe gritou e começou a bater a almofada contra o sofá. — Nenhum centavo! — Suas pernas tremiam.

Keigo abraçou com ainda mais força o bonequinho temendo que ela pudesse tomá-lo. O menino não tinha idade para entender que por mais que amasse muito o brinquedo para alguém além dele o boneco não valia muita coisa.

A mãe jogaria o celular contra a parede quando a ideia brilhou em seus olhos claros e vidrados. Trêmula ela fez uma ligação.

— Satoshi, querido, eu estou precisando… — Usou a voz que só usava com os amigos do trabalho, apesar dele não conhecer esse nome. Kei logo entendeu que assim que ela desligasse ele deveria ir para o banheiro.

Ela encerrou a ligação e trêmula segurou nos ombros do filho:

— Você é um menino muito bonzinho, meu Keigo. Não é?

Keigo acenou que sim, ela sorriu seu sorriso lindo, porém nervoso e disse:

— Não saia do banheiro até tudo ficar bem silencioso. Tá bom?

— Tá bom, mamãe.

Ela sorriu ainda mais, o abraçou, todo seu corpo suava frio e ela umedecia os lábios toda hora. Kei sabia que ela precisava dos remédios. Ela o levou até o banheiro e Kei se trancou lá.

Ouviu o Satoshi chegar e o que ouviu depois foram só ruídos, Keigo ficou tanto tempo sentado sobre a tampa fechada do vaso sanitário que suas perninhas começaram a adormecer, não ouviu mais nada e então com cuidado resolveu abrir a porta do banheiro. Não viu ninguém e saiu devagar, o sono lhe fez bocejar e ao abrir os olhos viu que aquele moço de terno branco que tentou roubar seu brinquedo estava aqui. Ele era o Satoshi… Kei agarrou mais o bonequinho.

— Olha só. — Os cabelos dele estavam bagunçados e o terno amassado na lapela. — Você tava aqui esse tempo todo, garoto?

Keigo não respondeu, seus olhos assustados procuravam a mãe.

— Eu sei que você fala. — Satoshi falou com a mão no bolso.

Keigo continuava a escrutinar o cômodo atrás da mãe.

— Ela tá na cozinha. — o homem disse. — Mas não aconselho você ir lá agora. — Ele se colocou na frente assim que o menino tentou dar um passo.

Keigo recuou levemente pronto para correr para o banheiro sem entender o porquê. O homem passou a mão nos cabelos bagunçados jogando-os para longe da testa e disse muito sério como se tivesse pensado bastante sobre o assunto:

— Olha, garoto. Vou te dar um conselho. — Levantou o indicador e o anel escuro refletiu a luz da lâmpada. — Sua mãe é uma drogada.

O menino não entendia o que era isso, sua mãe era atendente particular. Ela que falou.

— Você sabe o que é, não sabe?

Keigo não entendia o que o moço falava. Satoshi se agachou ajustando as calças. Ficou na altura do menino:

— Gente drogada é igualzinha a sua mãe. É gente que usa esses remedinhos. — Satoshi tirou do bolso do paletó um invólucro de plástico com várias pílulas dentro como as que a mãe usava para a dor de cabeça. — Essa gente é doida, garoto. Faz de tudo para ter mais disso. — Sacudiu o invólucro. — Senão ficam bravos, mas eu tenho certeza que você já percebeu. — Ele guardou o pacotinho no paletó.

Keigo se encolheu, concordando internamente que a mãe ficava brava, mas sem entender qual o problema em tomar o remédio quando se está mal.

— Você tem que guardar e esconder da sua mãe todo o dinheiro que conseguir pegar, garoto. Porque um dia ela vai tentar te vender pra algum yakuza ou tarado, aí você pega esse dinheiro e se manda. Entendeu? Foge pro mais longe que conseguir.

O menino desviou o olhar, apertava tanto o boneco que seus dedinhos deformavam o brinquedo. Mamãe nunca me deixaria.

— Aqui. — Satoshi tirou do bolso um pequeno rolo de dinheiro preso a um elástico. Keigo jamais viu tantas notas juntas na vida, não sabia contar, mas achava que tinha muito ali. — Pra você.

Ele não soube o que fazer, apenas se mantinha agarrado ao boneco.

— Acredita, garoto. Eu sei na pele o que tô te falando. — Keigo continuou sem se mexer. — Vou deixar aqui com o seu amigão. Tudo bem? — Com cuidado Satoshi colocou o rolinho sobre a cabeça da pelúcia. — Vocês dois guardem muito bem esse dinheiro.

Satoshi se ergueu e disse:

— Preciso dar uma mijada. Não conta nada disso pra sua mãe.

Logo depois de usar o banheiro, Satoshi foi para a cozinha e Keigo ouviu apenas ecos da conversa do homem com a mãe. O menino voltou a se trancar no banheiro para ela não descobrir que saiu antes.

Keigo sabia que não podia aceitar nada de estranhos e devia contar tudo para sua mãe, mas não fez nenhum dos dois. Guardou o dinheiro no seu lugar secreto do apartamento.

A cada dia descobrimos mais sobre o passado de Kei… o que será que nos aguarda futuramente?
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Bjinhus!

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora