Tempestade

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— É você. — Enji ouviu a voz familiar e virou para trás.

— Natsuo? — Há quase três anos que não via o filho e ficou muito surpreso ao vê-lo vindo em sua direção com o capacete na mão e o cabelo bagunçado.

Porém, toda a atenção de Natsuo não era para si, ele nem sequer caminhava na sua direção. Estava vindo direto para Kei.

— É você! — praticamente gritou furioso.

— Natsuo? — Kei perguntou confuso ao ver o filho de Enji. — O que está fazendo aqui? Vocês se conhecem… — Kei ainda tinha um sorriso no rosto, mas não durou muito, seu olhar foi de Enji de volta para Natsuo, então sua expressão divertida morreu aos poucos como se fizesse uma constatação nenhum pouco feliz.

— Você me enganou! — Natsuo avançou sobre Kei. — Você me enganou! Mentiu para mim!

— O quê? — Kei meneou a cabeça. — Eu não sabia. Não tinha como saber.

— Não tinha como saber de quê?! — Enji exigiu sem querer entender.

— Agora tudo faz sentido! — Natsuo falou com ódio desenhado por todo o rosto. — VOCÊ SÓ ESTAVA ME USANDO!

— Não, Natsuo! Eu não sabia…

— NÃO SABIA DE QUÊ, KEI?! — Enji exigiu agressivo.

— Então é esse aí que é o seu amante! Tudo faz sentido agora! Vocês dois se merecem! Que nojo de vocês! Que nojo de pensar que você e eu, Kei…

— Não, Natsuo! — Kei tentava fazer com que o filho parasse de falar mais.

Porém, o ódio de Enji já tinha esquentado e virado magma:

— QUE PORRA É ESSA?!

— Enji, não é nada do que você está pensando! — Kei tentou segurar suas mãos, Enji afastou-se dele com asco.

— Então era isso! — Natsuo continuava. — Esse era o esquema todo! Me enganar!

— Eu não enganei ninguém! Eu não sabia, Natsuo!

— Como assim “não sabia”?! É impossível não saber! — Gesticulava com o capacete. — Eu sou a cara desse arrombado!

— Natsuo, por favor, você só está piorando as coisas. Me deixe explicar, foi só uma coincidência.

— Vocês dois se merecem!

— Natsuo, por favor… — Kei virou para si, mas tudo o que viu foi o olhar turquesa do homem cheio de nojo e ódio. — Enji, não é isso. Eu juro.

— Ah, você até chama ele pelo primeiro nome! — Natsuo ironizou com lágrimas nos olhos. — E quer mesmo que eu acredite que não sabia que ele era o meu pai?!

— Natsuo, você tá piorando tudo! Me deixe explicar, Enji, por favor.

Enji olhava para Kei como se ele tivesse virado uma barata bem na sua frente e começasse a comer a própria merda logo em seguida.

— Eu não fiz o que você tá pensando. — Kei tentava falar com calma controlada e pausadamente. Enji não conseguia acreditar na aversão que sentia de Kei e de si mesmo. — Eu apenas conheço Natsuo. Só.

— Quantas pessoas você só conheceu? — falou com asco evitando o contato com o garoto. — Quer mesmo que eu acredite que justamente essa é a exceção? — ironizou.

— Meu rei, eu…

— NÃO ME CHAME ASSIM! — grunhiu furioso como nunca antes. Queria bater em Kei ao mesmo tempo que queria esfaquear o próprio estômago com tanta ânsia que sentia de si mesmo.

Kei se encolheu, porém não recuou:

— É a verdade. Eu não fiz isso.

— Assim como não fez com Toshinori? Assim como não fez com aquele empresário? Assim como não fez com meio mundo? Acha que eu sou idiota?!

— Eu não fiz isso, Enji. Por favor, me escute. — Kei mostrou as mãos em sinal de rendição. Seu olhar estava desolado, mas não mais que o do homem mais velho.

— Isso é alguma espécie de jogo doentio seu?

— Não é um jogo. Eu não fiz nada. Jamais faria qualquer coisa para ferir ou magoar você.

— É por isso que não saía do apartamento? Para que eu não descobrisse essa merda?!

— Enji, eu não saí porque a Comissão está com problemas e…

— Para de mentir! Você só mente! É mesmo um funcionário da Comissão ou só a prostituta de luxo deles?! Acha que eu não sei que você dorme com qualquer um que eles mandam?

O rosto de Kei tornou-se severo, não desviou o olhar:

— Você não sabe do que tá falando.

— Esse foi o meu caso e meu filho foi pelo o quê?

— Eu não fiz isso. — Kei insistia em tentar lhe enganar. Não desistia da mentira mesmo com tuda às claras. — Nunca faria isso.

— Mentira!

— É verdade!

Enji apontou para o filho ao falar furioso sem desviar o olhar de Kei:

— Olhe bem na minha cara e diga que não dormiu com o meu filho, seu filho da puta! — Cada sílaba saía entre os dentes trincados.

Kei permanecia impassível, seus olhar não vacilava perante o de Enji.

— Eu não dormi com o seu filho.

— Mentira!

— Eu não dormi com o seu filho!

— MENTIRA! — Enji gritou tanto que sentiu suas cordas vocais arranharem.

— Eu não…

— ACHA MESMO QUE PODE MENTIR NA MINHA CARA BEM NA MINHA CASA?! QUEM PENSA QUE É? COMO PÔDE ME FAZER DE CORNO COM O MEU PRÓPRIO FILHO?!

— Eu não fiz isso! — Kei segurou em seus braços.

— TIRA A MÃO DE MIM. — Enji empurrou-o com força para longe. O mero toque dele fazia com que se sentisse doente.

Kei quase caiu no chão, mas conseguiu se manter de pé. Assim que se equilibrou afirmou desesperado:

— Eu não fiz isso!

— CALA A BOCA!

Enji furioso avançou com a mão erguida para aquele ser grotesco que achou que pudesse gostar de verdade de si. Queria transformar a cara daquela barata em uma poça de sangue.

— CHEGA! — Fuyumi se pôs entre ele e o loiro. Seus braços e pernas abertos faziam uma barreira de proteção. Enji parou na hora.

Kei ficou surpreso sem saber de onde ela saiu. Fuyumi olhou sobre o ombro e disse tentando acalmar a respiração:

— Acho melhor você ir embora agora. Não vai conseguir resolver nada.

Os olhos de Kei cintilaram hesitação ao irem de Enji para ela, então ele acenou devagar concordando e saiu correndo dos jardins.

Kei estava tão tonto que mal conseguiu calçar as botas e colocar o casaco. Chutou a lixeira da entrada.

— Merda! Merda! Merda! — Como tudo desandou tão rápido?!

Não acreditava na própria burrice, Natsuo e Enji eram a cara um do outro. Os mesmos traços, o mesmo porte físico, o mesmo cabelo espetado. Burro! Burro! Burro!

Nunca teria chegado perto de Natsuo se soubesse que ele era filho de Enji e tudo isso causaria essa confusão enorme. Passou as mãos nos cabelos.

— Preciso de um plano. Puta merda. Preciso de um plano.

A filha de Enji estava certa, o melhor a se fazer era ir embora dali por enquanto e depois pensar no resto. Enji não lhe ouviria agora. Kei levantou o capuz, os portões da casa estavam trancados.

Ótimo, vou ter que pular essa merda também.

O Rei E O PassarinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora